quarta-feira, 10 de maio de 2017

Música e Inclusão – algumas notas a propósito de um projecto de intervenção (I)

A música, tal como as artes em geral, é objeto de fascínio no quadro das vivências das crianças e dos jovens. Apresentando um conjunto de características que aliam modos diferenciados de apropriação e compreensão de diferentes mundos, reais e imaginários, formas de criação e recriação de identidades, individuais e coletivas, a par do entretenimento, os diferentes usos e funções da música nas sociedades contemporâneas afiguram-se como elementos geradores de possibilidades de encantamento e/ou reencantamento com os espaços sociais, culturais, artísticos e formativos.
Contudo, as artes na escola, apresentam-se, muitas vezes, como elementos marginais em relação à hegemonia dos “saberes escolares”, modalidades de trabalho e de avaliação. A desvalorização dos saberes escolares por parte de algumas crianças e jovens conduz a situações de exclusão e de indisciplina diferenciada a que nem sempre o Estado e as escolas conseguem dar resposta através de políticas públicas que contribuam para a reconfiguração da relação complexa entre saberes-escolas-estudantes-presente-futuro.
Neste quadro, a aprendizagem de um instrumento e as práticas artístico-musicais associadas, constituem-se, por seu lado, como um desafio interessante por aliar simultaneamente, a disciplina, o rigor, as técnicas, as criatividades, o trabalho individual e coletivo, e as emoções inerentes ao ato do estar em palco, de apresentar publicamente o trabalho, com as suas ambiguidades e riscos mas também desafios na construção de um bem comum.
Deste modo pensar-se num projecto relacionado com “Música e Inclusão” implica pensar-se num conjunto de três eixos principais: participação e envolvimento, conhecimento e difusão e avaliação.
Participação e envolvimento. Tendo como centralidade a criança e do jovem o projecto terá necessariamente de fomentar a sua participação como actores na co-construção do trabalho educativo, formativo, artístico e cultural. Esta participação pressupõe um envolvimento activo em que se atendem às expectativas e saberes em presença e aos desafios que se colocam nos processos de inclusão e de recriação identitária
Conhecimento e difusão. O projeto ao procurar afirmar-se como um instrumento de inclusão que fomente o sucesso escolar e potencie a diminuição do abandono precoce e da indisciplina no interior das escolas implica a investigação de práticas sociais, artísticas, culturais e intergeracionais da qual resulta a construção e difusão de conhecimento que contribua para a compreensão e intervenção neste tipo de realidade complexa.
Avaliação. A avaliação do trabalho, nas suas diferentes dimensões, apresenta como um elemento estratégico que, partindo das práticas em contexto, permite, por um lado, alicerçar e sustentar o trabalho e, por outro, reorientá-lo nos pontos que se considerem pertinentes.
Assim, e tendo em consideração a experiências e vivências das crianças e jovens, adequabilidade e criatividades são dois dos conceitos que emergem ao pensar-se a relação “aprendizagem musical – inclusão”, atendendo a que estamos em presença de motivações e interesses heterogéneos. Adequabilidade (a) de modo a apreender a diversidade de experiências de aprendizagens em vez de se focalizar nos saberes que são reconhecidos e valorizados pelo “saber escolar”, (b) de uma prática educativo-artística em que as aprendizagens são co-construídas e centradas na articulação entre as pessoas em concreto e os saberes em presença, e a desenvolver, interligando o conhecimento interpares, o formal, o informal e o não formal. Criatividades, em que o envolvimento e a participação nas atividades musicais criativas podem ser um contributo importante na construção dos sentidos e no desenvolvimento de competências e saberes técnicos e artísticos.

Impactos desejáveis
Embora não exista uma relação linear causa/efeito entre os pressupostos ierentes à relção “Música e Inclusão”, a organização da formação e os desempenhos curriculares das crianças e dos jovens envolvidos, a operacionalização e de um projeto multipolar  e multifuncional deixa antever um conjunto de impactos que podem ser sintetizados em:

Reforço das competências globais das crianças e dos jovens. O trabalho em equipa, o desenvolvimento do sentido coletivo do trabalho, a disciplina e o esforço individual e coletivo, o prazer de fazer música e de tocar em público visam permitir o combate às discriminações no acesso aos saberes artísticos, combater os estereótipos, contribuir para a melhoria no que se refere à motivação, à auto-estima, ao cumprimento de determinadas tarefas e, por esta via reconfigurar a sua relação com os saberes académicos que poderão ter impactos positivos nos desempenhos escolares;

Reforço de conhecimentos em diferentes áreas do saber. Para além das questões de natureza particular relacionadas com os saberes inerentes à prática musical (técnicos, estéticos, sociais e culturais),os projetos pretendem contribuir para o desenvolvimento e fortalecimento de competências básicas, pessoais e sociais junto de jovens socialmente desfavorecidos, através da dinamização da prática musical e abrir portas à exploração de possíveis articulações com outros saberes, também de natureza mais académica;

Inclusão e desenvolvimento social e comunitário. Reforçar a proximidade das famílias às escolas e à cultura estimulando o acompanhamento que estas fazem do trabalho artístico-musical das crianças e jovens, bem como o seu envolvimento direto em projetos artísticos, pode incrementar a motivação e a coesão familiar assim como contribuir para a inclusão e capacitação das crianças e jovens mais desfavorecidos potenciando o seu afastamento de comportamentos de risco;


Cidadania. Ao incentivar-se a responsabilidade individual e coletiva, o contacto com diferentes mundos artísticos, pessoais e organizacionais, o contacto com diferentes imaginários e modalidades de trabalho, o respeito pelo trabalho desenvolvido e a aproximação a tarefas mais exigentes e cultas deixa antever a possibilidade de reconfigurações identitárias e uma cidadania mais culta e participada. Pretende-se reforçar a participação cultural e comunitária, nomeadamente através da disponibilização de outros contextos de aprendizagem não formal e de ligação a estruturas associativas e artísticas de base local, nacional e transnacional