1. Introdução
O ensino da música, nas suas múltiplas componentes, viveu,
nas últimas décadas do século XX, na interacção e no confronto entre diferentes
modos de concepção, construção, operacionalização e administração das políticas educativas e
culturais e as subjectividades artísticas dos seus agentes. Interacções e confrontos
enformados entre contextos de referência globais e locais. Globais pela importação e
comparação com modelos oriundos de outros países, locais pela recontextualização dessas
referências.
Por outro lado, este tipo de formação enquadra-se numa
sobreposição de várias
redes que envolvem, entre outras, a educação, a cultura, as
concepções de músico, o papel social da arte na educação, os públicos e os consumos. A
estas redes associa-se o papel que é exercido pelas barreiras (materiais e simbólicas)
entre os grupos sociais, no que se refere às modalidades de acesso às práticas educativas e
culturais e aos respectivos universos de valoração e de descodificação dos códigos e das
convenções existentes nas culturas musicais.
O quadro compreensivo e interpretativo em que me situo
entende este tipo de ensino numa confluência e na interligação entre a formação, a
produção e a fruição, entre a educação e a cultura (Apple,1999; Interartes,1999;
Santos,1998; Silva,2000).
2. Problemática
Nas últimas décadas do século XX o ensino da música em
Portugal foi o resultado de um cruzamento onde confluíram múltiplos factores.
Factores que resultaram da forma como o músico e a música eram encarados (social, cultural e
profissionalmente), do percurso sócio-histórico e sócio-técnico da música e da
formação, de um modelo originalmente concebido para a transmissão de uma cultura
musical específica (no caso dos conservatórios) ou para a dita “formação integral dos
alunos” (no caso do “ensino regular”), do confronto entre diferentes ideologias,
pressupostos estéticos e procedimentos.
Por outro lado, a democratização e a massificação do ensino,
bem como as mudanças operadas no contexto musical e sócio-profissional, nos
processos sóciocomunicacionais (Blaukopf,1992; Carvalho,1993), no aparecimento de outras
formações académico-musicais e no acesso à profissão de outro tipo de camadas
sociais, contribuíram para criar fracturas nos modelos predominantes. De um
lado, os “herdeiros” que reproduzem e perpetuam a tradição (ou a representação
que têm da tradição); do outro, uma tendência mais inovadora no sistema que
abriu rupturas nesta assunção e que procura produzir um outro modo de agir e de
pensar a profissão docente, a profissão do músico, o ensino e os modos de
organização pedagógica mais consentâneos com a contemporaneidade.
3. Dos paradigmas de tradição
clássico romântica e dos paradigmas emergentes
Partindo do conceito de paradigma como "um conjunto
aberto de asserções, conceitos ou proposições logicamente relacionados e que
orientam o pensamento (...)" (Bodgan & Biklen,1994: 52), e de uma
forma muito esquemática, só para dar uma ideia dos fundamentos que enformam a
minha reflexão, nos paradigmas tradicionais a ciência produz a única forma de
conhecimento válido e cumulativo. Esta validade pode ser demonstrada e a
verdade a que aspira é intemporal. A racionalidade predominante é cognitiva e instrumental
distinta de outras práticas intelectuais como por exemplo a racionalidade do sentimento
de que fala Best (1996) ou as recentes teorias ligadas à inteligência emocional
(Damásio,1995, Golemann,1995).
Nos novos paradigmas, não há uma única forma de conhecimento
válido. As práticas sociais alternativas geram formas de conhecimento também
alternativos (como por exemplo o Hip Hop ou o Rap), existindo uma revalorização
dos conhecimentos e das práticas não hegemónicas de que são exemplos os estudos
pós-coloniais. O conhecimento não é validável por princípios demonstrativos de
verdades intemporais, mas antes assume-se a modificabiidade e a temporalidade
do conhecimento. Como refere Santos (1987:37) no denominado "paradigma emergente" o
conhecimento é contextual, auto-questionável, relativista, construído, subjectivado. Este paradigma pode
ser caracterizado por quatro grandes postulados: (a) todo o conhecimento cientifico é
cientifico-social; (b) é total e local; (c) é autoconhecimento; (d) visa constituir-se como senso
comum. Estes postulados apoiam-se num conjunto de noções como a criatividade, a
contingência, desordem e processo, auto-organização, historicidade, reversibilidade
(Idem:28).
A acrescentar a tudo isto, e se se pensar que a música é -
ao contrário dos pressupostos da “autonomia estética” e da “arte pela arte”
(cf. Fubini,1994:325-333;Hanslick,1994) - “um sistema cultural, uma
intercontextualizada teia de representações conceptuais, acções e reacções,
ideias e sensações, sons e sentidos, valores e estruturas” e que “nenhum
destes elementos pode por si só ser considerado como o principal ou como a
essência da música” (Kinsbury,1988:179), compreende-se a complexidade deste
universo formativo, nas múltiplas olhares e procedimentos possíveis.
A História da Arte e a História da Música Ocidental são
processos ricos nestas diferenciações paradigmáticas: da Ars Antiqua à Ars
Nova do século XIV, da Prima Pratica à Seconda Pratica do
século XVII (cf. Fubini,1994:149; Strunk,1981, pp. 33-63, as sinfonias de
Beethoven e os modos de recepção do público (Massin,1973), do Serialismo à
Música Electrónica e por Computador. De facto, na história da arte em geral e
da música em particular, existiu sempre numa dialéctica entre a estandardização
e a rigidez das convenções e a sua transformação, no que respeita quer às
técnicas quer às estéticas e às suas relações com o público. É celebre o
confronto que existiu na primeira apresentação pública da “Sagração da
Primavera” de Igor Stravinsky em 29 de Maio de 1913 em Paris.
Para comodidade da reflexão, e de discussão, dividi os dois
paradigmas em cinco grandes domínios: político; saberes; aprendizagens;
profissão professor e escola.
3.1. Do político: da
homogeneidade à diversidade
Entedendo político no sentido que é atribuído por autores
como Charlot (1995) e Friedberg (1995), por exemplo, este domínio está dividido em
dois grandes planos: um de caracter mais macro (a nível de administração central) e
outro mais micro (a nível das escolas e dos professores). Esta divisão enquadra-se na
perspectiva de que não é só o poder central e regional que tem políticas. Também a escola
e os professores constróem e desenvolvem um trabalho político quer pelo que fazem quer
pelo que não fazem (cf. por exemplo Giroux, 1993).
Neste contexto, um aspecto essencial caracterizador deste tipo
de ensino tem a ver com a rede “educação, cultura e mercado”. Com efeito, o
mundo da arte, de acordo com Becker (1984), é uma rede de interacções entre diferentes
tipos de profissionais em que as suas actividades concorrem para a produção de determinadas
obras, existindo tantos mundos da arte que artes: cinema, música, pintura por
exemplo. Dentro das artes do espectáculo o caso da música é um caso particular, em que o
mercado se divide em espaços tão diferenciados que não se fala da mesma coisa
quando se está no universo da música erudita ocidental ou da música massificada
(Vessilier-Ressi,1995).
Cada um destes mundos está organizado em função de uma
determinada divisão do trabalho. Para uma orquestra sinfónica dar um concerto, por
exemplo, é necessário inventar os instrumentos, fabricá-los, conservá-los em bom estado, é
necessário utilizar e/ou inventar uma notação e compor a música utilizando esta notação, os
indivíduos devem ter aprendido a tocar os respectivos instrumentos de acordo com a
partitura, é necessário encontrar o tempo necessário para os ensaios, anunciar o programa de
concerto, organizar a publicidade, vender os bilhetes para o concerto e atrair um
público capaz de escutar, de compreender e de apreciar o espectáculo (Becker, 1984).
No que se refere aos novos paradigmas existe a preocupação
de articular subsistemas, de articular o formal, o não formal e o saber
experiencial (Dubet,1996), atendendo aos diferentes tipos de objectivos e
particularidades. Procura-se também um funcionamento em rede entre criação,
produção, interpretação e formação. Como acontece no Dec-Lei n.º. 344/90 de 2
de Novembro onde se procura articular várias dimensões (apesar de não ter sido
regulamentado e de conter um conjunto de problemas) e em alguns festivais de
música (como por exemplo o Festival de Guitarra de Trofa).
3.2. Dos saberes: da
hierarquização à complementaridade
As imagens do solista e da orquestra têm sido elementos
recorrentes na configuração social, simbólica e na organização pedagógica do
ensino especializado, através do nível de formalização, de organização, de
estandardização, da divisão do trabalho e das representações sociais. No que se
refere ao “ensino regular” a imagem e a metáfora dominante é a da “flauta de
bisel de plástico” e o instrumental Orff.
Em segundo lugar, a divisão do trabalho característico da
orquestra encontra-se na forma como as diferentes aprendizagens se organizaram:
diferentes tipos de instrumentos, diferentes tipos de professores, diferentes tipos de repertórios,
diferentes espaços. Nesta divisão, o conceito de “disciplinas anexas”, como já foi
referido anteriormente, é um dos elementos relevantes. “Disciplinas anexas” que se podem
caracterizar como um conjunto de cadeiras de âmbito teórico, como por exemplo História da
Música, ou teórico-prático, por exemplo Formação Musical e Composição, que são consideradas
subsidiárias, senão mesmo subservientes à formação central que é o instrumento
ou o canto.
Apesar destas transformações o currículo do ensino
especializado foi pensado e organizado em torno de um reportório central que percorre
uma faixa relativamente restrita da produção musical ocidental. Esta faixa está situada,
grosso modo, entre a música e os compositores do século XVIII e dos primeiros anos do século
XX (Folhadela et alli, 1999;Nettl, 1995; Small, 1980). Toda a música que se situe fora
destas fronteiras, mais cronológicas do que estéticas, têm tido um papel pouco relevante no contexto da
formação, do ensino e da organização pedagógica: da música antiga (medieval,
renascentista e início do barroco) à música contemporânea, do Jazz às músicas populares e
étnicas. Mesmo dentro destas fronteiras, os elementos oriundos da investigação
musicológica, etnomusicológica e da sociologia das artes não eram e não são, numa perspectiva
global, incorporados. O referencial predominantemente tecnicista tem reservado um
papel marginal às características diferenciadoras (estéticas, sociais,
culturais, sociais) dos universos das diferentes obras, compositores e saberes.
Dito de um outro modo, procura-se a complementaridade e
articulação entre os saberes (técnicos, teóricos, práticos, estéticos e outros)
na promoção da autonomia e do dissenço, tendo por base a perspectiva de “música como
cultura” (Martí,2000;Swanwick,1998). A ênfase centra-se nas pessoas, nos saberes
e na experimentação (e não nos conteúdos meramente escolares e muitas vezes
descontextualizados) o que conduz a uma “cultura de proximidade” aberta à modificabilidade e à
contextualização, aberta à incorporação dos interesses e dos saberes locais.
3.3. Das aprendizagens: da
exterioridade às pessoas
A problemática das aprendizagens remete para uma questão que
se pode resumir na pergunta: como é que se processa a “transmissão” da música?
Questão de resposta complexa e divergente consoante as posturas estéticas,
culturais, territoriais e pedagógicas (cf.
Campbel,1991; Gordon,1993; Hennion,1988; Howe & Sloboda,1991a e 1991b; Sloboda,1990; Swanwick,1979,1988).
Se se olhar sob o ponto de vista das tecnologias, no
contexto da música ocidental, podem distinguir-se, segundo Nettl (1995:37), quatro formas
diferentes de transmissão. A primeira realiza-se numa perspectiva auditiva, em que a
aprendizagem se efectua a partir da recepção ao vivo, em concertos. A segunda, através da
notação escrita: isto é, pode-se aprender a partir de uma única versão notada pelo compositor
ou pelo intérprete e que pode ser diferente de outras cópias existentes, o que significa
que cada indivíduo pode aprender através de cópias com ligeiras diferenças. O outro modo é
através da música impressa, estandardizada. Neste caso, todos os indivíduos aprendem uma
determinada obra a partir de uma mesma notação. Por último, pode-se aprender através
da gravação, áudio e/ou vídeo, embora neste caso, a recepção possa ser igual ou
idêntica.
A “estrutura da transmissão” pode centrar-se em três pólos:
técnico, teórico e estético. O pólo técnico pelo facto de que o “mestre” mostra
como se faz e o aluno imita, reproduz uma determinada aprendizagem, do mesmo no mesmo,
visando a continuidade de uma tradição (real e/ou imaginária). Este modo de
transmissão, de alguma forma associado à tradição das corporações, ao incidir sobre a experiência,
pouco se questiona, a não ser nos modos de autoregulação e de regulação inter-pares. No
pólo teórico comunicam-se os princípios e as regras de aplicação e a tradição repousa
basicamente na autoridade do professor, sustentada pelos seus próprios contextos de
referência. Por último, o pólo estético, que se faz através do julgamento e do gosto,
assenta numa confluência entre a jurisprudência dos mestres, o julgamento e o gosto do
professor e a sensibilidade do aluno.
Ou seja, a perspectiva assente na modelagem, na imitação e
na repetição, tem criado outro tipo de tensões existe uma outra tendência em
contraponto ao modelo “mestre-aluno” em que o aluno não é considerado como “um mero consumidor de
dum determinado produto”. Tendo em consideração a necessidade do
desenvolvimento da sua autonomia e da sua personalidade artística, esta diferença enquadra-se
numa corrente pedagógica e estética que se pode designar pelo “estabelecimento de
pontes entre a pedagogia individual e a pedagogia colectiva” (Lartigot & Sprogis,
1991:90), em que o modo de racionalidade não está na relação de dependência “mestre-aluno”, mas sim numa
racionalidade tutorial e de parceria.
3.4. Da profissão professor: de
elo de transmissão ao animador e orientador
O professor de música inscreve-se numa rede de interacções,
influências e de constrangimentos que advêm da sua formação pessoal, de uma
herança histórica, do conjunto de ideias, conceitos e pré-conceitos que cruzam o
mundo da arte, da música, da educação, da cultura e do trabalho. A este quadro à que
associar as condições socioprofissionais dos músicos e a situação da música, em
termos políticos e do mercado dos bens simbólicos bem como a formação e inserção nos contextos
de trabalho (Folhadela et alli, 1999; Hargreaves, 1998;
Henriques, 1991; 1996; Menger,1983; Pais,1995;UNESCO,1997).
Neste contexto, as dimensões simbólicas, a tradição
histórica, os papéis, os contextos e a estrutura profissional no domínio da
música são simultaneamente um elemento fundador e legitimador da concepção,
construção e formação dos percursos identitários, a par dos diferentes tipos de
organizações onde foram socializados e formados e onde exercem actividades
profissionais, no domínio de diferentes escolas e de diferentes agrupamentos musicais.
Por outro lado, existiu um confronto de paradigmas entre a
especificidade do exercício desta actividade e o contexto geral da profissão
docente, como já referi anteriormente. A criação de instituições para a
formação de professores de música é recente no sistema educativo português. Só
nos finais da década de 80 e princípios da de 90, começaram a aparecer no
sistema cursos de formação de professores (apesar das debilidades conceptuais,
artísticas, cientificas e pedagógicas) e disciplinas de caracter científico no
domínio da educação, em particular, no que se refere às didácticas do instrumento.
A relação "mestre-aluno" predominante na formação
(Campbel,1991 Menger,1983; Kingsbury,1988; Netl,1995), pela qual estes docentes
passaram e construíram as suas identidades, a diversidade de contextos de trabalho onde
desempenham a actividade, a diversidade sociohistórica do entendimento das diferentes
tipologias musicais, dos diferentes instrumentos, do acesso ao mercado cultural,
potenciaram e potenciam a relação música-formação-interpretação-criação-públicos-mercados,
valorizando ou desvalorizando determinados modos de exercício profissional, mais abertos
ou fechados às mudanças.
A subjectividade, individualidade, carisma e as diferentes
comunidades artisticas musicais, sociais, organizacionais que atravessam o percurso
vivencial e profissional dos docentes de música, contribuem para uma afirmação crescente
de uma identidade própria ou, pelo contrário, alimentarem crises identitárias pelos
diferentes tipos de vocações existentes, por alguma instabilidade emocional, pela procura
de novos pólos identitários (Vessilier-Ressi,1995).
Ora, num contexto cada vez mais incerto e paradoxal, mais
local e global, mais descentralizado (Handy,1994; Nóvoa, 1989;), exige-se aos
docentes de música, a nível educativo e artístico, uma diversidade funções e de
competências que lhes permitam saber gerir diferentes mundos e realidades
(Boltansky & Thevenot,1991), informações e saberes cada vez mais
diferenciados.
De um outro modo, os professores não se limitam a imitar
outros professores de música, que não se limitam a reproduzir determinadas
técnicas e modos de pensar a arte, a música e os saberes, não sejam apenas técnicos mas também
criadores, capazes de reflectir (Schon,1992) e em que a prática é um meio
privilegiado na produção e no desenvolvimento de um pensamento crítico e de acções
qualificantes como professores reflexivos e criativos (Woods, 1995).
No outro pólo o professor é entendido como animador e
orientador. Como referiu um professor, “eu acho que na música não há professores.
Existem orientadores” (Vasconcelos,2000). Neste sentido, o modo de trabalho é mais
complexo assente entre a mudança e a permanência, rotina e inovação com uma estrutura
mais horizontal (a relação professor-aluno não é de sentido unívoco mas biunívoco),
onde existe uma atitude mais colaborativa e menos burocrática e em que a articulação
entre os desempenhos (o compositor, o investigador, o músico prático, por exemplo)
intersectam e retroalimentam a profissão docente.
3.5. Da escola: do isolacionismo
a pólo de desenvolvimento
A escola, como “microcosmos social complexo”
(Munoz,1992:320) resulta de um combinação múltipla de factores que resultam, num plano
interno, dos modos como os diferentes actores produzem uma acção organizada, pelas
racionalidades predominantes, pelos jogos de poder existentes, pelo sistema de acção
histórico. Por outro lado, ela é também o resultado das influências diversificadas que advêm
do ambiente externo com o qual estabelecem relações de concorrência, parceria ou de
isolamento. Tudo isto contribui para a construção identitárias das escolas como
organizações.
Estas assunções remetem para o entendimento da escola como
instituição multiforme, onde a multiplicidade de procedimentos e de sentidos
que os indivíduos atribuem à escola e à sua acção colectiva, contribuem para
que ela seja uma entidade singular que resulta da coexistência “de várias
coisas ao mesmo tempo” (Morgan,1993), sendo encarada como pólo de
desenvolvimento em que a participação e o envolvimento da comunidade é
fomentada e valorizada numa rede de interdependências e trocas, numa perspectiva
de sustentabilidade social e cultural.
Em síntese. Numa primeira aproximação a esta
problemática, o quadro seguinte, pretende dar conta das principais diferenças que, do meu ponto de
vista, caracterizam as polaridades identificadas.
4. Considerações finais
Esta breve e primeira caracterização de algumas das
dimensões existentes do ensino da música em Portugal nas últimas décadas do século
XX, pretende realçar a polaridade divergente nos modos de pensar a formação e a
escola, as profissões e actividades musicais e a cultura. Significa isto que no
ensino de música têm coexistido tendências opostas situadas no confronto entre uma tradição
paradigmática oriunda da tradição clássico-romântica e um outro paradigma em que a
centralidade se encontra no entendimento mais global da formação de um músico tendo em
conta os diferentes contextos sócio-técnicos, sócio-históricos (AAV, 1992;
Cabral, 1997; CDE, 1973; Castro,1997; Fragateiro et alli., 1995; Franco, 1992;
GETAP,1991; Nogueira, 1987; Nogueira et alli.,1991; Perdigão,1981).
Contudo, a predominância da primeira tendência, com as suas
polaridades e confrontos com outros paradigmas, tem criado aquilo que Hennion
(1988) designa por uma “cultura de acusação e de incompreensão”, em que o trabalho
desenvolvido se centra num modelo de escola e formação técnica, alicerçada num eixo
exclusão/indiferença, pouco adaptado às necessidades sociais, culturais e individuais.
Nos "mundos da arte" (Becker,1984 ) as
diferentes transformações e os ritmos com que os diferentes sistemas se fecham (Bourdieu,1994) e se
adaptam às transformações são muito diferentes. O sistema de ensino "simboliza
geralmente a inércia institucional, expressão de uma decalage
estrutural entre a evolução da produção e da reprodução dos produtores e consumidores" (Menger, 1989:53). De todos os
sistemas de ensino artístico o ensino da música "(…) é certamente o único a sofrer
profundamente as contradições que governam a existência pública da
disciplina” (Idem).
Para terminar, as características de fronteira do ensino da
música, o estar entre a educação e cultura, as convenções e os indivíduos, o passado
e o presente, o trabalho e o lazer, tem sido, por um lado, a sua fraqueza (atendendo às
ideias dominantes em termos sociais, culturais e políticos) mas, por outro, a sua força
na configuração e reconfiguração de futuros individuais e colectivos.
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[1]
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Universidade do Minho
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