Nota I - Descentralizar
a discussão sobre o ensino especializado abrindo-o a novas temáticas
Uma das características da história do ensino da música em
Portugal, e em particular no que se refere ao ensino especializado de música,
está relacionada com a predominância de determinadas temáticas que se têm
mantido constantes ao longo dos últimos 40 anos como por exemplo identidade
deste tipo de ensino, professores, currículo, aprendizagens, carreira docente,
carreira de músico a que se juntou mais recentemente, com a existência dos
trabalhos de mestrado no âmbito do ensino de música, a pedagogia e as
didácticas.
Sendo certo que sendo temáticas que nem sempre tiveram do
poder político uma resposta adequada, ou mesmo resposta, compreende-se de certo
modo a recorrência de determinadas questões. Por outro lado, também é certo que
com as diferentes transformações sociais, culturais, políticas artísticas e
criativas, importa olhar para estes temas com outros olhares de modo a poder ir
interrogando as práticas políticas e formativas.
Contudo, existem um conjunto alargado de questões que acabam
por ficar sempre fora do debate, fora da investigação e da construção de
pensamento sobre o assunto. Uma dessas questões prende-se com a relação entre o
ensino especializado de música, as suas escolas professores, estudantes e
famílias, e l desenvolvimento local, o desenvolvimento das comunidades onde os
projectos formativo-artísticos estão implementados. Existem muitas razões para
que esta relação não seja muito discutida, até pelo fato de este ensino sempre
se ter pensado mais com a “imaginação ao centro” de que fala o Boaventura Sousa
Santos, do que propriamente prensar-se como projeto local, esquecendo-se de que
como escreveu o Miguel Torga, “o local é o universal sem paredes”.
Nota II - Das escolas
do ensino especializado, dos diferentes papéis e da sua relevância formativa e
artístico-cultural
O ensino especializado de música vive momentos de profunda
transformação sob o ponto de vista artístico e de intervenção comunitária. O
incremento de diferentes tipos de agrupamentos musicais no interior das
escolas, e, embora tenuemente, o também incremento de diferentes práticas
artísticas, de que o Jazz é exemplo, a realização de concertos, seminários,
concursos e festivais de música, têm contribuído de formas diferenciadas para o
desenvolvimento cultural das regiões e dos locais onde as instituições de
formação estão inseridas. Todas estas actividades vêm também contrabalançar a
cultura massificada dominante na sociedade portuguesa contemporânea.
Por outro lado, a intensa actividade musical realizada pelas
escolas de norte a sul do pais e nas ilhas, nem sempre visível no âmbito dos
média nacionais e locais, se é um fator fundamental no desenvolvimento das
aprendizagens das crianças e do jovens, também levanta algumas interrogações
quando, muitas vezes, estas actividades substituem o trabalho de músicos
profissionais.
Neste contexto, e atendendo aos diferentes tipos de papéis
que as escolas do ensino especializado desempenham, importa olhar e discutir os
modos como o trabalho formativo contribui para o alargamento dos quadros de
referências nas comunidades, bem como os desafios que se colocam às escolas,
professores, músicos, estudantes, famílias, comunidades, que se colocam ao
Estado, Administração Central e Autarquias Locais, para que a relação entre o
ensino especializado de música e o desenvolvimento local seja potenciada em prol
de uma democracia mais culta.
Nota III – O localismo
cosmopolita
A localização da política e da acção educativa, artística e
musical, e das diferentes redes que operacionalizam a territorialização da
política, coloca um outro tipo de desafio: a convivialidade entre diferentes.
Com efeito, das interdependências, singularidades e
proliferação de sentidos e mundos diferenciados e, muitas vezes, distantes,
apesar de próximos e conflituais, emerge a necessidade de encontrar formulações
que permitam a convivialidade entre referências múltiplas, entre culturas que
se interpenetram, entre diferentes “territórios de fronteira” e zonas de
contacto, entre diferentes tipologias e géneros artístico-musicais. Esta
convivialidade implica uma “imaginação dialógica”, de que fala Ulrich Beck, uma
característica central definidora de uma perspectiva cosmopolita, entendida
como “o choque de culturas e racionalidades na vida de cada pessoa, o ‘outro
internalizado’”. A “imaginação dialógica” corresponde “à coexistência de modos
de vida rivais na experiência individual, o que torna inevitável a comparação,
a reflexão, a crítica, a compreensão e a combinação de certezas
contraditórias”. Enquanto “a perspectiva nacional é uma imaginação monológica,
que exclui a alteridade e o outro”, a perspectiva cosmopolita é “uma imaginação
alternativa, a imaginação de modos de vida e racionalidades alternativas que
incluem a alteridade do ‘outro’. Ela coloca a negociação de experiências
culturais contraditórias no centro da actividade política, económica, científica
e social” (p. 18).
Por outro lado, difere de todas as formas de diferenciação
vertical que conduzem à fragmentação social, artística e educativa numa relação
hierárquica de superioridade e subordinação. O cosmopolitismo alicerça-se no
reconhecimento das diferenças das práticas artísticas, estéticas e sociais que
lhe estão associadas, não as ordenando de um modo hierárquico nem as
dissolvendo. Ele “aceita-as enquanto tal, na verdade investindo-as de um valor
positivo. O cosmopolitismo afirma o que é excluído tanto pela diferenciação
hierárquica como pela igualdade universal, nomeadamente a percepção dos outros
como diferentes e simultaneamente como iguais” ( como escrevem Beck, Grande
& Cronin. Para estes autores, o cosmopolitismo apela a que conceitos como
integração e identidade “que possibilitam e afirmam a coexistência
ultra-fronteiriça sem exigir que os traços distintivos e a diferença sejam
sacrificados em prol de uma suposta igualdade (nacional): identidade e
integração deixam assim de significar hegemonia sobre o outro ou sobre os
outros” (p. 14).
Deste modo, afigura-se pertinente pensar e gerir as
instituições de formação como “espaços públicos locais”, de que fala João
Barros, tendo em consideração grandes
referenciais como: serviço local do Estado, organização de profissionais,
serviço público de solidariedade social e associação local, a que acrescento
serviço público de cultura e das artes. A “institucionalização da polivalência
organizacional” poderá ser um contributo para a recuperação da visibilidade
social e cultural das instituições formativas, contribuindo deste modo para
restaurar e recriar laços de sociabilidade participada entre professores,
artistas, estudantes, pais e comunidade.
Nota IV – O papel do atores locais na construção das
políticas da educação artística
As políticas na educação artístico-musical, como em qualquer
dimensão da política educativa e cultural em geral, não emana apenas do poder
político nem da sua tradução num quadro regulamentar pela administração
educativa, uma vez que não só nem as reformas são efectivamente aplicadas no
terreno como também os diferentes actores locais “reformam a reforma” através
de procedimentos variados, situados entre a omissão e a transgressão ao que é
estipulado. Nem sempre a intervenção do poder político na educação
artístico-musical se traduz num quadro legal, nem na utilização de instrumentos
de avaliação que permitam induzir modos de regulação que afiram procedimentos,
modos e consequências do trabalho realizado. Os actores locais, através de um
trabalho de transposição, de mediação e de avaliação, desempenham um papel
central não só na viabilização local da política educativo-artística, o seu
impulsionamento e a criação de condições para a sua realização, como também o
incremento de políticas nem sempre consignadas pelo poder político, nem
articuladas entre si.
Ora, não relegando o papel do Estado, interessa pensar e
discutir o papel dos actores locais na construção e no desenvolvimento de uma
acção concertada de intervenção educativa, artística e cultural. Esta
intervenção emerge como uma das dimensões relevantes no âmbito de políticas e
projectos artísticos e formativos através da mobilização de recursos locais e
de processos formais e informais de carácter participativo.
Nota V - Algumas
questões a que importa ir dando respostas
Tendo em conta as notas anteriores algumas questões se podem
levantar:
·
Quais
os tipos de papéis que o Ensino Especializado de Música e as escolas têm
desempenhado, e desempenham, no desenvolvimento das comunidades onde está
inserido?
·
Que
relações se têm estabelecido, formal e informalmente, entre as diferentes
instituições de cultura e recreio, entre os diferentes espaços existentes nos
territórios?
·
De
que modos é que as comunidades vêm o Ensino Especializado de Música e as suas
escolas como pólos de desenvolvimento artístico, cultural e social?
·
Como
articular as políticas centrais e as políticas locais, as tensões entre
objectivos artísticos e objectivos políticos, bem como o papel das escolas na
co-construção das políticas?
·
Que
tipo de desafios políticos, culturais, pedagógicos, profissionais e políticos
se colocam a este tipo de ensino de modo a potenciar o trabalho formativo e
artístico, a sua interligação com os territórios assim como fomentar uma democracia
mais culta?
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