segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Educação artística e sistema educativo: falta cumprir a lei de bases


Comemoram-se este ano os 30 anos da lei de bases do sistema educativo (Lei n.º 46/86) publicado no Diário da Republica de 14 de Outubro de 1986 (I Série n.º 237). Esta foi alterada pelas Leis n.º 115/97, de 19 de Setembro, 49/2005, de 30 de Agosto, e 85/2009, de 27 de Agosto, mantendo contudo as suas características essenciais. E dentro destas características essenciais uma das dimensões que percorre todo o articulado, do pré-escolar ao ensino superior, está relacionada com as artes, com a cultura, com a estética e com a criatividade.

Contudo ao longo de todos estes anos a relação entre as artes, a cultura e a educação, apesar de toda a retórica política, sempre foi uma relação problemática. Relação problemática assente num paradoxo entre a afirmação da sua importância na formação das crianças, jovens e adultos, bem como no desenvolvimento comunitário, e as dificuldades de elaboração de políticas e de meios para a sua efectiva implementação. Veja-se por exemplo o fato de, desde 1973, terem existido mais de 20 grupos de trabalho que se debruçaram sobre esta relação. Dentro destes grupos, e dos relatórios produzidos, desde grupos ligados ao Ministério da Educação, ao Conselho Nacional de Educação e outros ligados a determinadas instituições, o que ressalta de todo este trabalho é a o acentuar permanente da relevância (a) da articulação entre as políticas de educação e da cultura; (b) da educação artística e da educação estética na formação das crianças, jovens e adultos e (c) de se encontrarem formulações políticas e estruturais que contribuam para que as artes na educação sejam um realidade.

Neste contexto, não deixa de ser significante que no Relatório do grupo de contacto entre os Ministérios da Cultura e da Educação, coordenado por Augusto Santos Silva e intitulado “A Educação Artística e a Promoção das Artes na Perspetiva das Políticas Públicas”, publicado em 2000, se escreve logo no ponto 1 que “o objectivo central deve ser garantir a realização do determinado na Lei de Bases do Sistema Educativo, no sentido de que as artes constituam uma dimensão necessária da educação básica para todos. É preciso, pois, criar as condições indispensáveis para que todas as crianças disponham de oportunidades de uma iniciação artística, na sua escolaridade básica” (p. 17).

Passados todos estes anos o panorama desta relação artes-cultura-educação, continua muito preocupante, mantendo-se praticamente inalterado no que diz respeito à escolaridade obrigatória bem como no que se refere às artes no ensino superior, em particular a sua inserção nos cursos que não sejam de natureza artística. A este panorama contrapõe-se o desenvolvimento das práticas artísticas em todo o país, incluindo Açores e Madeira, e a importância que cada vez mais a nível local se dá à dimensão artística e cultural. Veja-se por exemplo o incremento dos designados “quarteirões das artes” ou do trabalho em Idanha-a-Nova como membro da UNESCO nas “Creative Cities Network of Music”.

Ao procurar encontrar razões que ajudem a compreender este aparente paradoxo entre a afirmação da importância das artes na formação e a dificuldade na sua implementação, e de um modo sintético, um duplo e interdependente factor parece estar subjacente a esta dificuldade política e de políticas: (a) a contaminação das políticas públicas por organizações internacionais e (b) as dificuldades internas do campo artístico-educativo.

No primeiro caso, desde o 25 de Abril que as organizações internacionais, desde o FMI à OCDE e depois a União Europeia desempenham um papel relevante na influência política e de políticas. E esta influência, que se traduz não só na disponibilização de financiamentos mas também de aconselhamento técnico, tem sido nefasta pra as artes na educação, veja-se as políticas da troika nos últimos 4 anos, para além da subserviência dos diferentes governos. E isto tem-se traduzido, com raríssimas excepções, no que se tem designado “back to basics”, do ler, escrever e contar, da excessiva funcionalização e utilitarismo da formação, em qualquer nível em que se exerça, de modo a que se possa dar respostas ao tal mercado de trabalho e ao desenvolvimento da economia.

No segundo caso, as diferentes visões existentes acerca do papel das artes na educação e do papel dos artistas, muitas vezes alicerçados em paradigmas bastante afastados dos campos criativos, dos vários mecanismos do poder existentes no interior do campo e da luta por visibilidade social, cultural e outras, dos egos excessivos que se traduzem muitas vezes na dificuldade de ver outros mundos, das práticas pedagógicas no interior das escolas, burocratizadas, academizada, “manualizadas” e muito pouco criativas, e com pouca relação com os mundos das artes, apesar das excepções que existem e felizmente começam a ter um dimensão significativa, afigura-se como outra dimensão desta problemática. Não basta afirmar da importância das artes na educação quando as práticas formativas estão assentes em determinados modelos e “conteúdos” que pouco dignificam o que é estruturante nas aprendizagens artísticas: a criatividade, o desconhecido.

Deste modo importa, reolhar para esta relação artes-cultura-educação, de modo a cumprir o que de inovador ainda se mantém na Lei de Bases do Sistema Educativo, utilizando as palavras de Alexandre Quintanilha, em relação à ciência mas que se pode transpor para a educação artística: .] temos de nos sentir insatisfeitos com o conhecimento atual. sentir profundamente que as explicações que existem para uma determinada pergunta não nos satisfazem. que essas explicações se contradizem e parecem invocar muitas mais perguntas.
sem imaginação também ninguém pode ser cientista [ser pessoa, ser artista]. temos de ter a coragem para pensar em respostas "fora da caixa". imaginar soluções, muitas vezes até mesmo contraintuitivas. não ter medo de mergulhar no escuro, de nos sentirmos confusos e até um pouco perdidos à procura de algo que não sabemos ainda muito bem o que pode ser.
e sem muita paixão e muito trabalho também ninguém lá chega. conseguir ir além das fronteiras do conhecimento não é fácil, mas a recompensa é enorme. [...]
treinar a curiosidade, a imaginação a paixão é fundamental [...]
e nunca se esqueçam que as certezas são o pior inimigo de qualquer cientista"
(alexandre quintanhila, público, 29 de outubro, p. 13)
 "[...] temos de nos sentir insatisfeitos com o conhecimento atual. sentir profundamente que as explicações que existem para uma determinada pergunta não nos satisfazem. que essas explicações se contradizem e parecem invocar muitas mais perguntas.
sem imaginação também ninguém pode ser cientista [ser pessoa, ser artista]. temos de ter a coragem para pensar em respostas "fora da caixa". imaginar soluções, muitas vezes até mesmo contraintuitivas. não ter medo de mergulhar no escuro, de nos sentirmos confusos e até um pouco perdidos à procura de algo que não sabemos ainda muito bem o que pode ser.
 e sem muita paixão e muito trabalho também ninguém lá chega. conseguir ir além das fronteiras do conhecimento não é fácil, mas a recompensa é enorme. [...]  treinar a curiosidade, a imaginação a paixão é fundamental [...]  e nunca se esqueçam que as certezas são o pior inimigo de qualquer cientista" (Público, 29 de outubro, p. 13)
Esta afirmação é todo um programa que poderá contribuir para este reolhar. Assim, pensar a educação artística como espaço de construção de criatividades e de liberdade e, por mais paradoxal que possa parecer, não serve para nada, como defendo há muito tempo. O não servir para nada significa que a educação artística está para além da  perspectiva funcionalista que domina as diferentes teses sobre a sua importância. O não servir para nada significa que a educação artística é uma maneira de construir a liberdade individual e coletiva fora das múltiplas competividades e empreendedorismos que dominam o discurso e a ação da política e de algum discurso educativo. O não servir para nada significa a assunção de um outro tipo de caminho em que o saber, o conhecimento, em que o processo acerca entendimento do mundo, dos mundos, está para além da superficialidade e da espuma dos dias. E esta sua aparente ambiguidade é o seu ponto forte que importa desenvolver. Esta aparente ambiguidade é uma dimensão essencial da educação artística como educação para a criatividade. Para se ser livre.
Talvez libertando-nos de alguns dos constrangimentos do passado e estando atentos à polifacetada criação artística, nos seus vários domínios, se possa encontrar outros caminhos nesta relação tensa e difícil entre as artes-cultura-educação.


"[...] temos de nos sentir insatisfeitos com o conhecimento atual. sentir profundamente que as explicações que existem para uma determinada pergunta não nos satisfazem. que essas explicações se contradizem e parecem invocar muitas mais perguntas.
sem imaginação também ninguém pode ser cientista [ser pessoa, ser artista]. temos de ter a coragem para pensar em respostas "fora da caixa". imaginar soluções, muitas vezes até mesmo contraintuitivas. não ter medo de mergulhar no escuro, de nos sentirmos confusos e até um pouco perdidos à procura de algo que não sabemos ainda muito bem o que pode ser.
e sem muita paixão e muito trabalho também ninguém lá chega. conseguir ir além das fronteiras do conhecimento não é fácil, mas a recompensa é enorme. [...]
treinar a curiosidade, a imaginação a paixão é fundamental [...]
e nunca se esqueçam que as certezas são o pior inimigo de qualquer cientista"
(alexandre quintanhila, público, 29 de outubro, p. 13)

 

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