1. A 6.º edição do Festival Jovens
Músicos
Entre 23 e
25 de Setembro decorreu a 6.º edição do Festival Jovens Músicos. “Esta edição do
festival inclui duas novidades, que assinalam e celebram o 30º aniversário do
PJM: (a) um concerto com a Orquestra Sinfónica Portuguesa, dirigida por um
jovem maestro vencedor do concurso de direção de orquestra, realizado pela
primeira vez em 30 anos no âmbito do PJM; (b) a estreia da Orquestra Jovens
Músicos, formada exclusivamente por músicos laureados pelo PJM desde a sua
primeira edição, em 1987. Neste concerto histórico, o palco Gulbenkian será
preenchido por 70 músicos de três gerações diferentes, interpretando obras de
Dvorak, Britten, Mário Laginha e uma obra sinfónica em estreia mundial,
encomendada à jovem compositora Ângela da Ponte.||O Festival inclui ainda dois
concertos com a Orquestra Gulbenkian, dirigida pelo maestro Osvaldo Ferreira, e
que conta com a participação dos jovens músicos vencedores desta edição.” (cf. http://www.rtp.pt/antena2/premio-jovens-musicos/programas-concurso/6-festival-jovens-musicos-2016-23-a-25-setembro_3452).
Luís Tinoco, que dirige o prémio há
nove anos, nas declarações que fez ao Expresso a 17 de Setembro de 2016, afirma
que “desde o início que o PJM funcionou como canalizador da prática e do estudo
da música, pois as próprias escolas planeiam o trabalho cm os alunos em função
da participação no certame” e que ao longo destes 30 anos o PJM evolui quer em
termos dos instrumentos representados quer em termos da tipologia musical, por
exemplo a inclusão do Jazz e, neste ano, incluiu a direção de orquestra e apresenta
a Orquestra Jovens Músicos. Destaca Luís Tinoco que que “na última década
fizemos já uma centena de encomendas de peças a solo a jovens compositores que
são tocadas no âmbito do concurso” (E – Revista do Expresso, Edição 2290, 17 de
Setembro, p. 83).
Das palavras
de Luís Tinoco são de realçar, de um modo muito sintético, três aspectos importantes:
(a) a continuidade; (b) a incorporação de diferentes tipos de instrumentos e
estéticas ao longo dos anos; (b) a relevância da criação de obras originais por
criadores portugueses; (b) a relação com as instituições de formação e as
transformações no ensino de música em Portugal.
2. Alguns relatos da imprensa sobre o
prémio entre 1987 e 2002
O “Prémio
Jovens Músicos”, organizado pela RDP e com o apoio financeiro de vários tipos
de instituições (cf. http://premiojovensmusicos.blogspot.com/), foi organizado pela primeira vez em
1987. “A primeira edição do Prémio Jovens
Músicos promovido pela Radiodifusão Portuguesa foi atribuído nas modalidades de
flauta, violino, viola e piano, em que participaram alunos das escolas de
música do continente, Açores e Madeira (Diário de Notícias, Ano 123, n.º 43
240, 9 de Agosto de 1987, p. 16). Neste concurso “existem vários prémios, e o
Prémio Maestro Silva Pereira destinado a brindar com uma bolsa (na quantia de
500 mil escudos) o melhor concorrente solista a nível superior. Essa bolsa
destina-se ao aperfeiçoamento no estrangeiro (em especial nos curso de Verão).
Trata-se de cursos pagos em academias de alta qualidade como a Fundação
Hindemith ou a Academia Musical de Bona […] O PJM permite também aos laureados
com os “primeiro prémios em cada modalidade a possibilidade de gravações
profissionais de dois concertos, aperfeiçoamento no estrangeiro e outras
actividades desenvolvidas pelos membros da EMCY (European Music Competitions for Youth) e em concursos
internacionais promovidos pela EMCY”. Apesar de se tratar, apenas, de um
concurso nacional, o PJM permite uma série de ligações à União Europeia que
contribuem para o desenvolvimento técnico e artístico que facilitam o ingresso
na via profissional” (Diário de Notícias, Ano 131, n.º 46 211, 30 de Setembro
de 1995, p. 27).
A crítica
de Nuno Barreiros à 3ª edição deste prémio é elucidativa da perspectiva de
determinados meios sociais e culturais em relação a este tipo de acontecimento,
não só pelas consequências que pode ter no desenvolvimento futuro da vida
musical, nas suas várias componentes, como também a assunção da selectividade
competitiva e democrática de “apuramento de valores”.
[…] O futuro da
música em Portugal passa também, e necessariamente, pela existência de
instrumentistas quer garantam a continuidade de uma prática – aquela que se
traduz na actividade de solistas, na constituição de orquestras, bandas
filarmónicas e agrupamentos de diversa índole, mais ou menos numerosos,
sinfónicos ou de câmara, na formação de professores qualificados. || E a
revelação de todos estes músicos pressupõe a selecção competitiva, os estímulos
que os concursos representam. Ainda que envolvam, porventura, alguns riscos ou
até inconvenientes, próprios a qualquer empreendimento humano, não há dúvida
que tais concursos são, hoje em dia, um dos meios correntes e efectivos – e
democráticos – de apuramento de valores. A prová-lo, aí se nos deparam !!!, por
esse mundo fora, inúmeras realizações do género. ||No nosso país uma das mais
recentes iniciativas parece ter pegado de estaca. Reconheçamo-lo sem favor: criou
raízes, desenvolveu-se, vai-se alargando e os frutos despontam já de maneira
muito apreciável e positiva. (Nuno Barreiros, Diário de Lisboa, Ano 69, n.º 23
041, 16 de Agosto de 1989, pp. 14-15).
Também
outro crítico musical do Diário de Lisboa se refere ao Prémio como um elemento
estratégico, a par da reestruturação do ensino de música, no desenvolvimento de
um “futuro musicalmente mais criativo”.
Esta iniciativa,
posta em prática desde o ano passado e inserida, portanto, numa acção
continuada e articulada com outras do mesmo género a nível internacional,
representa o reencontro da RDP consigo própria, numa das áreas em que a sua
imagem tinha ficado bastante desgastada, devido à alienação das orquestras. […]
Se a Reforma do Sistema Educativo integrar finalmente a música nos “curricula”
gerais e assegurar paralelamente a cobertura do País com Escolas de Música
Especializadas, indispensáveis ao desenvolvimento do ensino vocacional, então
não pode haver dúvidas quanto ao surto de novas orquestras, designadamente a
nível regional. Cada vez há mais autarquias interessadas na promoção
diversificada da cultura musical (tanto tradicional como “erudita”). Com a
regionalização, os meios financeiros e organizativos locais para a cultura
terão uma ordem de grandeza que permitirá suportar e aproveitar mais
economicamente organismos dessa natureza. O Prémio Jovens Músicos da RDP
aponta, enfim, para um futuro musicalmente mais criativo” (Mário Vieira de
Carvalho, Diário de Lisboa, Ano 68, n.º 22 675, 27 de Maio de 1988, Cartaz DL,
p.12).
Outro tipo
de recepções que este prémio foi tendo na imprensa escrita revela dois tipos de
características. Por um lado, uma das características reside no facto de que os
premiados podem tocar com “verdadeiras orquestras sinfónicas”: “esta é a uma
ocasião que constitui um outro prémio para os “aprendizes musicais”: o facto de
serem acompanhados por uma verdadeira orquestra profissional e sinfónica […] É
o concurso português mais qualificado. E dizem ser o mais apetecido pelos
jovens estudantes das artes e técnicas musicais nacionais” (Diário de Notícias,
Ano 132, n.º 46 578, 1 de Outubro de 1996, p. 40). Por outro, como salienta
João Pedro Araújo da Silva, vencedor do prémio modalidade piano em 1990, o
prémio “constitui um grande incentivo”, permitindo-lhe “também um contacto com
um mundo da música diferente daquele a que […] estava habituado nas Caldas da
Saúde […]” (Diário de Notícias, Ano 126, n.º 44 399, 14 de Outubro de 1990,
p.27). Um outro vencedor da 16ª edição
deste prémio refere que “este concurso é muito importante, desde logo por ser o
único para jovens em Portugal. Depois, claro, há o instrumento que ganhamos e a
bolsa de estudo atribuído pela Gulbenkian, ao que se junta o facto de irmos
tocar com a Orquestra do Porto. Tudo isto são coisas boas que ajudam um músico
a acreditar no seu futuro” (Diário de Notícias, Ano 138, n.º 48 768, 1 de
Outubro de 2002, p.33).
No entanto, apesar de se “acreditar no futuro”, questiona-se a integração
profissional destes jovens, tendo em conta a situação da vida musical
portuguesa.
Nas atribuladas
circunstâncias da economia musical portuguesa (não a de importação; não por
falta de projectos), é salutar a esperança que desperta ouvirmos alguns dos
laureados pelo júri internacional da sexta edição do concurso para os Prémios
Jovens Músicos [..] A assistência contou com inúmeras autoridades oficiais e
ouviu as excelentes palavras do presidente do conselho administrativo da RTP que saudavelmente,
esperançoso, não hesitou em salientar a miserável situação do sinfonismo em
Portugal. Basta dizer que a orquestra que ouvimos, com 41 instrumentistas, tem
mais de 60 por cento de artistas estrangeiros, não contando com o seu maestro
titular, Jan Lathan-Koening.||Que faz correr os jovens músicos portugueses
perante a situação musical do seu país? - perguntou o presidente da RTP. A
resposta foi: a esperança e a persistência que fez com que a jovem
violoncelista Daniela Brito (de 18 anos) fosse obtendo sucessivos prémios desde
1988 e fosse seleccionada para a Orquestra Europeia de Jovens Músicos. || […]
Deixemo-nos porém de sebastianismos musicais. Não é qualquer D. Sebastião que
vem salvar a música em Portugal. Salvá-la-á, sim, uma juventude esclarecida que
expulse a incompetência dos responsáveis pela situação. Claro que temos gente
capaz em idade madura; o que parece é que não tem audiência, ou que são surdos
os que a deviam ouvir” (José Blanc de Portugal, Diário de Notícias, Ano 128,
n.º 45 074, 19 de Agosto de 1992, p. 27).
As diferentes reacções
publicadas na imprensa entre 1987 e 2002, e atendendo aos contextos políticos e
culturais em que foram proferidas, remetem não só para a relevância deste
prémio no contexto da sociedade portuguesa, em termos de formação ministrada e em
termos das possibilidades que se abrem no potenciar as carreiras dos jovens músicos,
como também levantam questões e interrogações acerca da vida musical e das
políticas públicas subjacentes.
3. Do ensino especializado de música, da vida musical
e das políticas: continuidades e descontinuidades
Estes trinta anos do
Prémio Jovens Músicos são reveladores das diferentes transformações existentes
no ensino especializado de música, na vida musical e nas políticas públicas para
os sectores da educação e da cultura.
Em primeiro lugar
pelo facto das mudanças operadas neste subsistema de ensino, quer no que diz
respeito à abrangência territorial, apesar de diferentes tipos de desequilíbrios,
quer pela formação que ao longo dos anos tem vindo a ser ministrada e que se
tem revelado, apesar de um conjunto de problemáticas ainda existentes – que abordarei
num futuro texto, de um grande dinamismo e de qualidade. Pelo alargamento das
estéticas, das técnicas, pelo alargamento dos estudantes, pelo impulso gigante
(comparando com os anos 80 e a primeira década de 90, dada à música de conjunto
(quer em formações de câmara quer em diferentes projectos de natureza
orquestral). Por outro lado as sucessivas gerações de músicos e professores que
foram formados pelas escolas portuguesas e que, em muitos casos, continuando as
suas formações no estrangeiro, contribuíram decididamente para potenciar o
incremento da qualidade formativa que hoje se verifica quer no ensino básico e
secundário de música, no ensino profissional, quer no ensino superior
politécnico e universitário.
Em segundo lugar se
a vida musical na sociedade portuguesa, em particular no que se refere a
algumas tipologias e estéticas musicais, apresenta ainda um conjunto alargado
de problemas, mas não deixa de ser significativo verificar um incremento
substantivo das práticas artísticas nos diferentes contextos, quer no
continente quer nas ilhas. Apesar de não ser noticiado nos principais órgão de
comunicação social, o incremento de diferentes tipos de concertos organizados
pelas escolas de música e por diferentes tipos de associações (e aqui o Facbook
e outras redes sociais, são instrumentos muito importantes de divulgação) são
reveladores de uma formação artístico-musical que felizmente, deixou de ficar
encerrada nas quatro paredes das escolas constituindo-se como centros de
cultura nos territórios onde estão situadas.
Em terceiro lugar, e
o mais problemático de tudo: as políticas públicas. Apesar de todo o dinamismo,
do trabalho e do esforço das escolas, dos professores, dos estudantes e das famílias
as políticas públicas, pelo menos as que emanam do Estado e dos órgãos de
administração, parecem ter para do no tempo e têm sido incapazes de dar corpo a
três aspectos que me parecem essenciais: (a) a importância da relação entre a
educação e a cultura (com todas as implicações que isto contém); (b) a completa
desarticulação entre as dimensões das estruturas de produção artística, as
estruturas de formação e as diferentes formas de difusão e de divulgação (em
que os auditórios e salas de espectáculos municipais podem e devem representar
um pólo importante); (c) o estabelecimento de condições jurídicas e políticas
para o desenvolvimento de carreiras artísticas que atendam às características
da profissionalidade destas carreiras e contribuam para que estas características
não sejam um fator que dificulte ainda mais a vida dos criadores, intérpretes e
professores.
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