No âmbito das políticas públicas relacionadas com a Educação
Artística em Portugal encontro três grandes modos de pensamento que têm caracterizado
os discursos e as práticas sobre a educação artística nas escolas: (a) espaços de utilidade (a formação integral
das crianças, formar artistas, formar públicos); (b) sentido de marginalidade
em relação a outras formas de educação (não há políticas para a educação
artística) e (c) excesso de passado traduzido no sentido de marginalidade e de
crítica ao Estado e excesso de futuro expresso na importância das artes e da
música na formação dos futuros cidadãos e cidadãs. Os excessos do passado e do
futuro não têm contribuído, e não contribuem, para o desenvolvimento de novos
entendimentos na relação artes, educação, sociedade e cultura.
Importa, por isso, reolhar para a educação artística, reolhar para
a escola, numa certa atitude de resistência às lógicas predominantes de
conceptualizar a educação e a escola pública promovendo outros enquadramentos
para o desenvolvimento do trabalho pedagógico, artístico e musical que
contribuam para a escolha dos caminhos, sempre contingentes e imprevisíveis,
que se adeqúem aos diferentes contextos, expectativas e desenvolvimentos das
crianças, dos jovens e dos adultos, das escolas e dos contextos comunitários.
Neste contexto, esta minha intervenção, parte de uma interrogação:
Que tipo de características identifico na educação artística que poderão
contribuir para não só para a construção de uma cidadania mais participativa,
culta e cosmopolita mas também, por esta via, contribuir para a reconfiguração
e um outro olhar sobre a escola? E vou procurar responder a esta questão
através de três conjuntos de ideias: “a
educação artística é um território ambíguo e paradoxal”; “a educação artística
situa-se na confluência e na convivialidade entre diferentes mundos” e “a
centralidade da educação artística assenta na criação do que não se conhece, do
que não existe”.
Ideias que resultam por um lado da constatação do que mais
inovador se vai realizando em Portugal e, por outro, da necessidade de se olhar
de um outro modo para esta área de formação no contexto da sociedade
contemporânea simultaneamente local e global, onde coexistem múltiplos e
contraditórios mundos. Estas ideias apresentam-se como pólos na procura de um
outro olhar para estas questões, não na defesa da importância das artes na
educação, atendendo a uma certa subalternidade existente mas, pelo contrário,
na afirmação de que as artes são formas de conhecimento e de interpretação dos
mundos reais e imaginários, são modalidades que, para além do entretenimento,
contribuem para nos interpelar, para nos criar problemas e interrogações que
estão para além da dimensão exclusivamente racionalista.
Neste contexto, este meu contributo parte de uma interrogação: Que
tipo de características identifico na educação artística que poderão contribuir
para não só para a construção de uma cidadania mais participativa, culta e
cosmopolita mas também, por esta via, contribuir para a reconfiguração e um
outro olhar sobre a escola? E vou procurar responder a esta questão através de três
ideias principais que resultam por um lado da constatação do que mais inovador
se vai realizando no país e, por outro, da necessidade de se olhar de um outro
modo para esta área de formação no contexto da sociedade contemporânea simultaneamente
local e global, onde coexistem múltiplos e contraditórios mundos. Por outro
lado ainda, estas ideiam então organizados em torno da tensão entre Educação e
Arte.
Como escreveu o António Nóvoa, num texto “Para uma Educação da
Arte pela Arte” que para o ano irá fazer 40 anos, e que foi o resultado da sua
participação no I Encontro das Expressões Artísticas realizado em Portalegre em
1987:
“Parece estarmos, hoje em dia (finalmente!) em condições de
retomarmos a tradição pedagógica do princípio do século XX e de definirmos o
que se poderia chamar uma Educação da Arte pela Arte, equacionando, por um
lado, a importância da expressão artística para o desenvolvimento da criança
[dos jovens e dos adultos acrescento eu], e, por outro lado, enquanto áreas de
conhecimento e de cultura autónomas, com uma especificidade própria […] Esta
ideia leva-nos a defender a existência de uma cultura artística cujo tratamento
deve ser objecto, sob formas criativas e dinâmicas, de estudo nas nossas
escolas […]. É nesta tensão entre a Educação e a Arte que poderemos encontrar
os caminhos que teremos de trilhar em conjunto, nos próximos anos” (Nóvoa,
1987, p. 23)
A primeira ideia é
a de que “A educação artística é um território ambíguo e paradoxal que não
forma artistas”
Ambiguidades dizem respeito ao plano
político e ao âmbito das próprias características deste tipo de educação e
formação. No primeiro caso, “numa sociedade que se vangloria da importância que
dá às artes e à cultura, a educação artística ocupa uma posição ambígua. Os
políticos de todos os quadrantes exibem-na como bandeira sem nunca acordarem os
meios necessários ao seu desenvolvimento. O sistema educativo, incluindo-a
sempre no programa obrigatório, redu-la com frequência a uma posição de
subalternidade” (Beaulieu, 1993a: 16).
No segundo caso, a ambiguidade resulta
da tensão entre os campos em que se situa: a educação e as artes. Esta tensão é
um dos factores que contribuem para a existência de uma série de paradoxos que
potenciam estas ambiguidades. O primeiro paradoxo, manifesta-se no seio do
sistema escolar, em que “a escola tende a traduzir a experiência artística em
termos de conteúdos, de saberes e técnicas orientados para uma finalidade: a
formação”. No entanto, se se pode ensinar as técnicas, a história, ou a análise
das obras, a educação artística, em qualquer plano em que se exerça forma
pessoas não forma artistas. E isto parecendo um jargão é estruturante e
questionador do que ainda é dominante em termos formativos
O segundo paradoxo, e tal como a
educação em geral, reside no facto do “encontro com a arte” não poder ser
apenas assegurado pelos professores, uma vez que este “não pode ter lugar sem
que a escola recorra a recursos exteriores, intervenientes artísticos, ou
estabelecimentos culturais”.
O terceiro paradoxo manifesta-se no
confronto entre a “certificação académica” e a “certificação artística”, ambas
pertinentes, mas nem sempre coincidentes com as exigências dos “mercados
artísticos”.
O quarto paradoxo releva do político
tendo em consideração que a educação artística baseia a sua legitimidade sobre
uma convicção democrática: “a arte é um bem de todos e, por consequência, deve
ser acessível a todos”. As responsabilidades do Estado no âmbito destas
políticas, dado que se exercem em duas esferas distintas, a educação e a
cultura, “não assentam sobre os mesmos modos de acção nem sobre os mesmos
desafios” (Idem: 17).
Ora, nestas relações complexas e ambíguas
entre as exigências “universais” da educação e as experiências singulares da
arte que “resiste a ser enjaulada em disciplinas artísticas, barreiras
administrativas e fronteiras territoriais, fazendo-se ouvir através de culturas
e sociedades” (Interarts, 1999), joga-se o que Bamford (2006) refere como o “the
wow factor” na educação artística. Isto é, “o entusiasmo e os resultados
inesperados, dificilmente definitivos, mas que exercem um impacto enorme nos
professores e até mesmo nas comunidades onde acontece (p. 18). Assim,
“qualificar a experiência artística é algo tão poderoso que nem sempre pode ser
planeado em termos de resultados prescritivos de aprendizagem, nem medido em
testes, como tantas vezes esperamos em contextos educacionais mais formais. É essa
a natureza do acto criativo – a divergência, o ‘maravilhamento inexplicável”
(Durrant, 2003: 82).
A segunda ideia é
que a educação artística se situa na confluência e na convivialidade entre
diferentes mundos
Esta confluência e convivialidade entre diferentes mundos que
caracteriza a educação artística parte de três constatações.
A
primeira constatação é a de que este tipo de educação e de escolas se encontram
entre o mundo das artes, da cultura e o mundo da educação.
Os
mundos da arte são, no dizer de Howard Becker (1984) redes de intersecções, de
dependências e interdependências, em que as actividades individuais e
colectivas envolvem um conjunto alargado de sujeitos, acções e sentidos,
expectativas, necessidades e constrangimentos, as concepções de artista, o
papel da arte na sociedade e na educação, os públicos e os consumos e os
diferentes contextos de referência, quer no plano nacional quer internacional.
É esta rede que permite a criação, apropriação e a disseminação o trabalho
artístico.
Por
outro lado, no âmbito das artes performativas, por exemplo, (cf.
Vessilier-Ressi,1995), a aprendizagem, só adquire sentido na triangulação entre
a formação, a fruição e a produção no contexto de uma realização e apresentação
prática, de diferentes tipos de realizações artísticas, que têm subjacente
modos diferenciados de comunicabilidade e públicos diversos uma vez que estes
diferem em termos do interesse e da ligação a uma forma e género artístico
particular, numa "ecléctica mistura de códigos de esteticidade"
(Pais, 1995:133).
A segunda constatação relaciona-se com
o trabalho formativo situado entre subjectividades artísticas e educativas.
Com efeito, a educação artística, qualquer escola artística é pela sua natureza
rica em contradições e situações paradoxais (Duve, 1992, Michaud, 1992,
Vasconcelos, 1999). Por um lado, é a partir dos princípios da arte e da
educação que se constroem um conjunto de regras que estão em constante
desequilibro através da utilização que as práticas artísticas fazem do
imaginário, das emoções e dos sentimentos. Por outro, a educação artística
exige dos estudantes qualidades opostas. A par do domínio técnico, da
utilização das regras, das convenções e dos procedimentos estandardizados, o
estudante deve ser capaz de construir a sua diferença e a sua originalidade
(Menger, 1996). Deve ser capaz de se integrar na sociedade do seu tempo,
desenvolver determinadas competências, também elas de características
diferenciadas e muitas vezes opostas.
A
terceira constatação relaciona-se com o facto do papel formativo se situar entre
as convenções e os indivíduos. De facto, as artes, como construção social e
humana, como cultura e forma de conhecimento (Martí,2000), são enformadas por
diferentes contextos socializadores. A “construção de sentidos artísticos”
dependem da apropriação de determinados procedimentos, técnicas e estéticas de
acordo com os universos de referência. Mudando esses universos socioculturais,
alteram-se as significações e culturas artísticas.
Com
efeito, as formas diferenciadas de expressão, criação e realização artística
têm subjacente um conjunto de convenções de carácter múltiplo, numa dinâmica
entre permanência e mudança, entre tradição e inovação, numa dialéctica entre o
“território da formação” e o “território do indivíduo” (com o seu talento, a
sua vocação, as suas estratégias e singularidades - Duve,1992; Menger,1996;
Moulin,1997). O modo como estas pontes se estabelecem, seja por uma assimilação
acrítica, por parceria ou por confronto, é outro dos aspectos determinantes de
como o indivíduo se projecta no futuro.
Por exemplo, ao aprender-se a tocar um instrumento, a
compor ou a tocar em público, para além do aspecto meramente técnico e de uma
racionalidade artística, o que está em causa é que o universo de Beethoven é
diferente do universo de Chopin, o universo de Bach é diferente de Haendel, o
universo da cultura Kwella é diferente do universo da música Suffi e assim
sucessivamente, e que os públicos também se movimentam em diferentes universos.
Nesta pluralidade de diferenças (com os seus códigos e convenções) a escola e o
ensino desempenham um papel relevante nos modos como contribuem para a
apropriação das diferenças e a construção das singularidades detectando e
elucidando os pontos de divergência e os pontos de convergência (Kartomi e
Blum, 1994), como tem demostrando, por exemplo, o violoncelista Yo Yo Ma entre
o universo das suites de Bach e a obra do italiano Piranezi do sec XVIII.
E neste “ estar entre”, a metáfora da fronteira ajuda
a criar uma maior inteligibilidade entre o caracteriza as subjectividades em
presença, as zonas de convergência e de divergência, a conquista de novos
limites. Três aspectos caracterizam este estar entre, este espaço de fronteira[1]: a
inquietação e o risco, a tradição e originalidade, os limites e a transgressão.
A inquietação e o risco
Viver
num território de fronteira significa ter reinventar quase tudo. As memórias e
os saberes experienciais de que os indivíduos, e/ou o colectivo, são
portadores, modificam-se quando aplicados em diferentes contextos “(...) numa
disponibilidade para esperar por quem quer que seja. Significa prestar atenção
a todos os que chegam a aos seus hábitos diferentes e reconhecer na diferença
as oportunidades para enriquecimento mútuo” (Santos,2000:324).
Viver num território de fronteira é
também viver na incerteza e na inquietação. A cidade a construir (Boltansky
& Thévenot, 1991) enquadra-se numa projecção do desejo em relação aos
futuros, através de enquadramentos próximos dos sujeitos, das geografias e dos
tempos, assente numa “base dialógica e numa cultura de proximidade e inclusiva”[2].
A tradição e a originalidade
A
vivência num território de fronteira significa viver num espaço em suspensão
“num tempo entre tempos” como refere Santos (2000). As situações imprevisíveis subvertem
os planos e as previsões pré-existentes. As memórias e as tradições são
reconfiguradas pela necessidade de superar os dilemas entre o conhecido e o
desconhecido, entre reproduzir velhos modelos ou a sua substituição. A assunção
da tradição é reconfigurada no sentido de encontrar os aspectos das memórias e
das tradições que são significantes para o indivíduo, para o colectivo e para a
realização de determinado trabalho artístico, de acordo com as situações e
contextos, numa interrelação entre herança, originalidade e mudança.
Os limites e a transgressão
O
território de fronteira, enquanto espaço de sociabilidade assenta nos limites e
na transgressão desses limites. Estabilidade-inovação-instabilidade-estabilidade
são algumas das faces que caracterizam as complexidades e as precariedades da
“sociabilidade de fronteira[3]”
(Santos,2000). Como refere Becker (1984) “em geral, quebrando as convenções
existentes e as suas manifestações na estrutura social (...) aumentam os
problemas dos artistas e descresse a circulação do seu trabalho, mas, ao mesmo
tempo, incrementa a sua liberdade na escolha de alternativas não convencionais
(...)” (p. 34).
A terceira ideia
expresso-a na afirmação da centralidade da educação artística na criação do que
não se conhece, do que não existe
Se se pensar que educar é transformar,
“isto significa a existência de uma relação dinâmica que é portadora de uma
tensão fundamental situada entre aquilo que já se conhece e o caminho para algo
que ainda se sabe muito bem o que será. Que ainda não está devidamente
apropriado. E se isto pode criar algum desconforto inicial, e provoca, as artes
e a educação artística, e em particular as artes performativas, podem ser um
instrumento importante no desenvolvimento desta tensão criativa, entre o que é
e o que ainda não. Particularmente na criação de novos imaginários individuais
e coletivos (Vasconcelos, 2013).
Ora do meu ponto de vista uma das principais funções da educação artística
é o de ativar os recursos do imaginário e da criatividade e em particular
estimular modos de resistência em relação ao fechamento e à reprodução acrítica
de modelos e de modos organizacionais e pedagógico-artísticos, de forma a
desenvolver a apetência pelo desafio, pelo risco do desconhecido.
António Pinho Vargas, 2001 refere-se ao
acto de compor como “um processo complexo, um estar-lançado no qual surgem
coisas, forças às quais se responde de alguma maneira. Este estar-aberto para o
devir, inerente ao processo criativo (…), não exclui a consciência histórica
dos chamados materiais (que cada compositor terá de maneira muito diversa) mas
antes se desloca para fora do processo criativo” (António Pinho Vargas, 2001). Desta
concepção emergem palavras-chave como processo; complexidade; estar-aberto para
o futuro; consciência histórica; materiais; diferenciação; individualidade;
imprevisibilidade; inquietação; desafio; risco; disciplina; ordem; desordem que
caracterizam ao ato criativo
A “criação do que não se conhece, do que ainda não existe,”
envolve também a inteligência emocional e em que cada um tem necessidade de
sentir o desafio, o desejo de (re)conciliar o desconhecido com o sistema de
códigos e convenções existentes no âmbito dos seus quadros referenciais. Contudo,
“quando falamos de imaginação estamos também no campo da contestação […] das
fixações de um aqui e de um ali, de um interior e de um exterior” numa
geometria plural e “espantosa (que espanta, que surpreende)”
(Tavares,2013:32-33) aberta ao acaso e ao desconhecido através de
“racionalidade distendida” (Jiménez,2005:162) assente em múltiplas opções.
Deste modo, a educação artística como educação para a criatividade
desenrola-se num quadro complexo, passa por um conjunto alargado e
interdependente de situações e de “encontros estratégicos” que “compreendem uma
colisão criativa do individual, ideias e ações” (Burnard, 2012a).
Encontro estratégico e interativo que apresenta três tipos de
implicações. A primeira pressupõe pensar o estudante, a criança, o jovem e o
adulto, como um sujeito que constrói o seu próprio discurso e a sua condição
autoral enfrentando diferentes tipos de conflitualidades que possibilite o
desenvolvimento do pensamento pessoal e artístico em convergência e/ou em
divergência como modelos estéticos e técnicos existentes.
A segunda implicação, atender a que comunidade de práticas
artísticas se apresentam plurais e diversificadas, campos abertos de
possibilidades na criação de pontes entre diferentes mundos, encorajando-se a
“experimentação das ideias através da improvisação, da trabalho colaborativo e
discussão” abrindo-se a territórios de “abordagens colaborativas que conectam
pessoas, disciplinas e géneros” projectando-se caminhos que possibilitem “novos
pontos de comparação e de partida” em ambientes de aprendizagem “que conectam
tradição e inovação” (Gregory,2005:20-21).
A terceira, implica atender à perspectiva poliédrica do processo
criativo, muitas vezes com avanções e recuos e mudanças de direcção, e que,
sinteticamente, envolve: (a) “o potenciar o imaginário”, revestindo-se de
múltiplas formas e modelagens artísticas e extraartísticas, significa “o motor
do início de algo, o momento de aparente imobilidade onde, interiormente, […]
se constroem ideias: umas combatendo outras” (Tavares,2013:384); (b) a
“exploração e experimentação” em que de modos diferenciados se vão procurando e
adequando às ideias, processos, objectos, técnicas. (c) o “passar do imaginado
ao fazer o imaginado”, criando “novas coisas”, novas ideias ou ideias
reconfiguradas no mundo, multiplicando “as possibilidades de verdade, as
analogias, as explicações, as ligações” (Idem:385); (d) o “passar do imaginado
ao fazer o imaginado” que se confronta com os outros numa relação complexa
entre diferentes modos e condições de percepção.
Considerações
finais
Para terminar todas as considerações
que apresentei, têm por trás um conceito de educação artística, e de escolas
simultaneamente existente e imaginado. Escolas enquanto espaços de construção
de liberdade e de convivencialidade não hegemónica entre diferentes mundos,
saberes, conhecimentos, práticas. Liberdade e convivencialidade não isenta de
conflitos mas também de convergências.
Os referentes que hoje temos em relação
a este tipo de educação e de ensino são histórica e culturalmente construídas,
assentes numa determinada representação do que é a arte, os artistas, a
formação confrontada entre os paradigmas de tradição-clássico romântica,
paradigmas funcionalistas e a pressão da globalização e das industrias
culturais em particular no que se refere à uniformização do gosto e à
visibilidade mediática das grandes realizações. As políticas neoliberais e os
cânones tradicionais não valorizam as escolas como “territórios simbólicos” e
ambíguos, como “espaços de inutilidade”, como “laboratórios de saber e de
cultura” que potenciam a imaginação e os encontros com os outros, com o
conhecimento num confronto “dialógico” em que se valorize a política da educação
artístico como “territórios simbólicos e ambíguos”, “na experienciação de novas
jornadas e itinerários, vivendo através de fronteiras e zonas de contacto”
(Nóvoa, 2002), em redes interpessoais e inter-autorais que mobilizam conceitos
de diferentes geografias, onde a convivencialidade das múltiplas vozes e
sentidos, reflectindo os universos pessoais artísticos diferenciados, contribuam
para um novo discurso e acção educativo-artística democrática, não hegemónica e
emancipatória. Contribuam para uma cidadania e para uma escola mais culta
participativa e cosmopolita.
E
nesta cidadania e escola mais culta, participativa e cosmopolita o trabalhar a imaginação
apresenta-se como uma das dimensões relevantes. Como refere o Gonçalo Tavares,
num texto publicado ontem no público, e com isto termino de um modo algo
provocatório, “A imaginação, a capacidade
de produzir imagens mentais de coisas que não estão imediatamente à frente dos olhos, é uma
capacidade humana invulgar que, infelizmente, muitas vezes é desvalorizada, e
quase atacada, no processo educativo. Aliás, as frases: - está atento!, tens a
cabeça na lua!, etc. são expressões repressivas que mostram como a escola está
constantemente a dizer: não imagines,
vê! Como se aquilo que é mostrado fosse sempre mais importante e relevante do
que aquilo que é imaginado. Uma escola paralela, quase utópica também, seria
aquela em que os professores por vezes diriam: hoje não estás suficientemente
na lua! Ou: não estejas tão atento, colado, ao que te estou a mostrar! Ou,
dizendo de um outra forma não tão extrema, mais realista: a escola deveria dar
a «ver, dar a conhecer, apenas aquilo que potencie a imaginação. Vou mostra-te
algo que te permitirá mais tarde imaginares muitas outras coisas. Imagens que
alimentem a imaginação e que não a diminuam. Substituir definições por
imaginações – este poderia ser um lema; contestável, claro, mas que permitiria,
talvez, uma discussão e uma deslocação do espaço mental do ensino” (Gonçalo M.
Tavares, Público 8 de janeiro de 2016, p. 5).
[1] Versão
de trabalho da comunicação apresentada no 2016 European
Teacher Educational Network Conference
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