O início de um novo ano escolar remete para um conjunto de questionamentos, expetativas e desafios. Para as escolas, professores, crianças e famílias. Questionamentos, expetativas e desafios que, num contexto que deveria ser normal e natural, se prendem com questões de natureza científica, artística e relacional, atendendo não só à presença de novos estudantes como também às mudanças nas crianças e nos jovens. E estes recomeços constituem, deveriam constituir-se, como uma força renovada na difícil tarefa de educar, de ensinar e aprender, de contribuir para um maior conhecimento de si, do outro e dos mundos sociais, científicos, culturais e artísticos, e dos saberes que lhe são inerentes.
Contudo, ano após ano, o que se tem verificado é que um contexto que deveria ser normal e natural, com as inquietações inerentes, tem-se transformado num campo de incertezas e problemas de natureza diversa em que predomina não só a incompetência de natureza política como, sobretudo, um profundo desrespeito pelas escolas, pelos professores, crianças e famílias. E não existe pedido de desculpas que sirva de “consolo” perante a enormidade do que está em causa: a importância da escola, dos professores e dos saberes na construção de uma cidadania mais culta e preparada para o presente e para os futuros, também eles incertos.
Por outro lado, a política dos mega-agrupamentos e do aumento do número de crianças e de jovens por turma, para além de uma política deliberada de “funcionalização e utilitarismo da formação” têm retirado do currículo das escolas públicas, do designado ensino regular, a área das artes e tem-se abandonado a ideia original das atividades de enriquecimento curricular. E esta conjugação de fatores tem-se consubstanciado no incremento do desemprego de profissionais que, com elevadas qualificações e competências artísticas e pedagógicas, se veem em situações de grande instabilidade socioprofissional e, na melhor das hipóteses, relegados a horários incompreensíveis.
Basta atender, por um lado, os números assustadores apresentados no relatório "Estado da Educação 2013" do Conselho Nacional de Educação onde se refere que desde 2001, foram eliminados 7.024 estabelecimentos de ensino público e, por outro, a notícia de que “Portugal é o país que desinvestiu mais em Educação na última década” (Visão, 11 de Setembro de 2014).
E isto não tem apenas a ver com a regressão em termos demográficos. São claramente opções de natureza de política educativa e de política financeira.
Perante este quadro de grande violência simbólica, profissional, pessoal e organizacional uma pergunta impõe-se: o que fazer e como fazer?
Das múltiplas possibilidades de resposta, e de uma forma muito sintética, existem duas dimensões que me parecem relevantes e a que é necessário atender. Uma no plano mais macro e outra num plano mais micro.
Trabalho associativo, auto-organização e envolvimento. Apesar de todos os esforços de escolas, professores, famílias e de algumas associações, nomeadamente da APEM, os diferentes governos têm desenvolvido políticas que, de um modo geral, são contrárias às dimensões artísticas nas aprendizagens, apesar de todos os pareceres e conferências nacionais e internacionais. Apesar de todos os estudos. Perante a incapacidade política e de políticas a nível central urge encontrar outro tipo de caminhos e de soluções que permitam criar e recriar movimentos suficientemente fortes que articulem a dimensão escola-família-comunidade, de modo a que a nossa voz possa ser tida em conta. À fragmentação existente no campo do ensino de música e, em particular, no quadro da educação musical, contrapõe-se a necessidade de uma maior participação e envolvimento no movimento associativo de modo a que nos auto-organizemos em defesa de uma educação mais culta. Perante todas as incompetências e desvarios se não cuidarmos de nós quem cuidará?
As crianças, os jovens, os saberes e as práticas artísticas no centro dos processos de ensino aprendizagem. “A educação será cada vez menos estimulante [para as crianças, jovens e professores] se apenas se centrar em adquirir “estratégias para ter sucesso nos exames” (Daniel Sampaio Público, 2, 14 de Setembro2014, p. 30). Traduzindo esta ideia para o plano do trabalho em sala de aula no nosso campo específico, isto significa que a excessiva centralização em determinado tipo de modelos assentes em conteúdos duvidosos e afastado muitas vezes dos mundos das artes, das crianças, dos jovens e das comunidades, importa recentrar a nossa atividade formativa nas práticas artísticas, e nos saberes que lhe são inerentes. Daí a importância da curiosidade, das criatividades, das inquietações, dos saberes e do conhecimento como um dos modos de sobrevivência pessoal e profissional nestes quotidianos incertos e aziagos, contrariando estes tempos de funcionalidades e de mercadorização da formação.
E como estava inscrito algures numa parede “antes arte do que nunca”.
in apemnewsletter, setembro 2014
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