Para os diferentes responsáveis ministeriais, o desenvolvimento das políticas centradas nas escolas e na sua autonomia encontra um problema central que é “a máquina infernal centralizadora que parece ser a 5 de Outubro”. Ana Benavente, enquanto Secretária de Estado da Educação e Inovação do XIII Governo Constitucional, salienta que “cada escola tem que ter um projecto educativo elaborado pelos órgãos da própria escola, e é a esse projecto que os professores estão vinculados”. Daí a necessidade de “descentralização do sistema”, uma vez que “a máquina infernal centralizadora que parece ser a 5 de Outubro […] e as direcções regionais que decidem o dia-a-dia das escolas – tudo isto é um absurdo, que temos de começar a destruir”. Para isso, “a escola precisa de muito mais autonomia e tem que estar ligada aos territórios em rede, ligada às autarquias e a outras instituições educativas, culturais e económicas, ficando reservadas para a gestão central sobretudo a regulação e a avaliação do sistema[1]” (Jornal de Letras, Ano XVI, n.º 676, 11 de Setembro de 1996, p. 2).
Também para João de Deus Pinheiro, Ministro da Educação e Cultura do X Governo Constitucional, o Ministério é “altamente centralizador e centralizado”, obrigando “a que todas as escolas sejam homogéneas”, o que, do seu ponto de vista, não é desejável dada a importância da criatividade, diversidade e da inovação nas sociedades contemporâneas. Deste modo, preconiza que este tipo de “qualidades […] só vingarão se as próprias escolas tiverem em si esse gérmen de inovação, se em cada escola puderem florescer o que são as suas vertentes e potencialidades próprias, diversas de região para região, de escola para escola” (Expresso, n.º 677, 4 de Outubro de 1985, p. 17-R).
Numa perspectiva equivalente, Roberto Carneiro, do XI Governo Constitucional, salienta que a alteração da “máquina burocrática” do Ministério da Educação é “um problema que só se resolve” resgatando “a escola da visão demasiado tecno-burocrática da Educação”, o que exige “que um político […] consiga ligar-se, directamente, ao centro nevrálgico do processo educativo”, centro esse que não é o Gabinete do Ministro “nem a Direcção-Geral ou Regional – é a escola”, sendo necessário inverter a lógica do sistema através da “autonomia da escola”. Diz o ministro que “a escola preparatória e secundária […] têm que ter uma vivência própria, o seu projecto, a capacidade para o realizar com responsabilidade. E tem que ser avaliada pelos seus méritos ou deméritos em função dos projectos[2]” (Expresso, n.º 789, 12 de Dezembro de 1987, p. 31-R). Para este actor, o tempo em que “o ministro apenas tinha de decidir sobre um processo elaborado racionalmente pela burocracia” é um tempo passado, uma vez que “a política deve ser cada vez mais o jogo dos actores e a cena educativa está cheia de actores: os professores e os respectivos sindicatos, os pais e as respectivas associações, as autarquias, as comunidades e as associações de estudantes, o ensino particular, as instituições religiosas, a comunicação social, os homens da cultura e da ciência, os empregadores…” (Idem).
Por sua vez, Maria do Carmo Seabra (XVI Governo Constitucional) salienta “dois males fundamentais (ainda que de gravidade diferente) e com soluções necessariamente correlacionadas”. Para esta ministra, “o primeiro e maior problema” situa-se na “ausência de uma cultura e prática generalizada de avaliação: avaliação dos alunos, dos professores, das escolas; o segundo problema relaciona-se com “o excesso de centralismo e dirigismo por parte da máquina do Ministério, que conduzia a uma desconfiança muito grande do poder relativamente a todas as iniciativas inovadoras e criativas das escolas, das associações de pais, da sociedade civil” em que “a atitude inicial dos responsáveis face a qualquer inovação e manifestação de criatividade é sempre de suspeição” (http://www.sg.min-edu.pt/expo03/ min_27_maria_seabra/ expo5.htm, p. 2).
Ora, a procura de políticas para contrariar estas “perspectivas centralizadoras” aparece também no discurso de David Justino, Ministro da Educação do XV Governo Constitucional, que “partindo de um sistema de ensino assente numa concepção centralista, homogeneizadora[3], no primado da regulação burocrática e na endoutrinação – legado de uma concepção característica do que poderemos designar por Estado Educador”, procura “estruturar uma estratégia” conducente “a um sistema cada vez mais descentralizado, diversificado nas formas de organização das escolas e pluralista na valorização dos diferentes modelos de ensino-aprendizagem” – um sistema que promova “a autonomia das escolas” e que responsabilize “civicamente as comunidades de base pelo futuro da educação” (http://www.sg.min-edu.pt/ expo03/min_26_justino/expo5.htm, p. 1).
Tudo este discurso político sobre a centralização e a burocracia da administração do Estado, que nem as escolas nem os próprios responsáveis ministeriais parecem ter poder para inverter, acaba por se transformar num argumento justificativo, de natureza política, para as dificuldades que encontram no desempenho da sua acção governativa. Outros actores, no entanto, apresentam, para além “do modelo centralizado de governação da educação”, outro tipo de argumentos que podem ser situados entre a articulação com outros poderes no interior do governo, os contextos socioprofissionais, os partidos políticos, na incerteza da mudança e na aceitação de novas regras.
No primeiro caso, Júlio Pedrosa considera que “na Educação Básica e Secundária era evidente que não se poderiam concretizar certas reformas sem concretizar a transferência de competências para as autarquias, acompanhada dos correspondentes meios, e sem estabilizar as equipas de docentes das escolas. O modelo centralizado de governação da educação, clamando por transferência efectiva de competências para autarquias e escolas, bem como pela consolidação da autonomia das universidades e institutos politécnicos, associado à exposição mediática contínua, decorrente do clima político e social que se vivia, submergiam o Ministério com questões de administração que impediam a concentração na estratégia e acções de política” (http://www.sg.min-edu.pt/expo03/min_25_pedrosa/expo5.htm, p. 1).
Por outro lado, para Fraústo da Silva, os problemas no desenvolvimento da acção política assentam na “dificuldade em fazer valer os nossos argumentos junto dos nossos pares ao nível do Conselho de Ministros, que lutam também pelos projectos e necessidades das suas áreas”. Embora considere que todos os problemas “são importantes”, contudo, “nem sempre se reconhece que todos são interdependentes no que é, de facto, um sistema dinâmico e não um conjunto de componentes isolados, pelo que quando os recursos são limitados é difícil chegar a consensos na definição de prioridades” (http://www.sg.min-edu.pt/expo03/min_15_frausto_silva/expo5.htm, p. 1).
Marçal Grilo considera que as “dificuldades” estão associadas à “tradicional resistência à mudança que é tão característica do comportamento de quase todos os grupos profissionais e o modo como alguns dirigentes sindicais entendem a sua função de defesa dos interesses da “corporação” dos professores”, embora também deva ser referida “a dificuldade em articular alguma legislação com outros sectores da Administração do Estado”. Um outro tipo de dificuldades situa-se no âmbito partidário e parlamentar, lamentando-se “que os Partidos Políticos não tenham aceite a proposta que lhes foi apresentada no Parlamento para aceitarem um “Pacto Educativo”, onde fosse possível estabelecer algumas orientações de política para o Sector que permitissem evitar as constantes alterações que se processam na transição entre legislaturas ou mesmo entre governos durante a mesma legislatura” (http://www.sg.min-edu.pt/ expo03/min_22_marcal_grilo/expo5.htm, pp. 1-2).
Por último, Maria de Lurdes Rodrigues salienta que “greves sempre houve [...] mas, de facto, a expressão dos conflitos neste mandato foi muito evidente, tal como a profundidade das mudanças que procurámos concretizar. Mudanças em que se pedia às pessoas que se organizassem de forma bem diferente do que era a tradição e do convencionado. São naturais estas reacções e podem-se explicar, mas não significa que aceitemos os pontos de vista. Creio que os conflitos são resultado da perplexidade e da incerteza de não se saber como vai ser”. No entanto, estas mudanças e conflitos acabam por ser acomodadas nos diferentes sectores, dado que a reforma, na perspectiva da Ministra da Educação do XVII Governo Constitucional “melhorava a condição de todos”: “o caso do ensino artístico, em que tivemos uma contestação fortíssima e depois veio a acalmia. Ouviu-se falar de ensino artístico este ano? Não. E a reforma foi feita, provando às pessoas envolvidas que a reforma melhorava as condições de todos. E aumentámos em 40% o número de alunos bem como o emprego no sector. O que é que explica a reacção inicial? A incerteza”. Apesar de ser “um sector ínfimo”, este exemplo, em relação às conflitualidades a diferente tipo de políticas é “um exemplo, pequeno, que teve muita expressão e mobilizou muitas escolas e professores”, tendo a Ministra procurado “analisar, verificar e, nuns casos, prosseguir, noutros, ajustar” (http://dn.sapo.pt/inicio/portugal/interior.aspx?content_id= 131 7554, 26 de Julho 2009).
Para Maria de Lurdes Rodrigues, este tipo de problemas não é resultante exclusivamente dos modos como a mensagem política é passada, “mas de compreensão do sentido das novas regras. Uma proposta de mudança diz respeito a novas regras e, por vezes, há discordância total, porque não se entendem os efeitos imediatos ou a prazo e reage-se por muitas razões. Também tivemos reacções às aulas de substituição, à escola a tempo inteiro e a outras medidas. No caso do Estatuto, estou convencida de que há uma diferente visão do que deve ser a organização da carreira dos professores. No que respeita à avaliação, acho que é outro problema, mas também a dificuldade em compreender qual será o impacto das novas regras. É preciso mostrar que os professores podem ter ganhos ao premiar-se o mérito” (Idem).
(In Vasconcelos, António Ângelo, Educação artístico-musical: cenas, actores e políticas, 2011)
[1] Tendo em conta “uma máquina tão pesada e tão centralizadora como é o Ministério da Educação”, Ana Benavente considera que, para desenvolver este tipo de ideias, o Ministério vai “iniciar e apoiar a descentralização do sistema educativo fazendo de cada escola o centro da vida educativa e um elo de escolas, facilitando a iniciativa dos diferentes agentes sociais organizados, o que implica reformular o papel do Estado, que passa a regular, orientar, supervisionar, avaliar e apoiar. Mas isso exige capacidade para dinamizar o próprio centro, torná-lo mais capaz de monitorizar as escolas, assegurando que cada escola conheça o “rosto” da administração e construir retaguardas técnicas de apoio, que podem facilitar a construção da autonomia das escolas” (Idem:3).
[2] Este tipo de ideia aparece também numa outra entrevista de Roberto Carneiro ao Jornal de Letras em 1999 quando refere que “a escola não pode ser mais um terminal burocrático duma cadeia de comando”, tem de ser “conectada com a comunidade” e ter projectos diferenciados entre si, atendendo que “uma escola de Bragança não tem de ter o mesmo projecto educativo de outra no Alentejo ou Algarve” (Jornal de Letras, Ano XIX, n.º 747, 19 de Maio de 1999, pp. 6-7).
[3] Esta questão do “centralismo” e a necessidade da sua transformação, em particular de uma maior autonomia das escolas, é uma ideia recorrente no âmbito do discurso e da acção dos ministros da educação explicitada por João de Deus Pinheiro, em 1985, do seguinte modo: “o que é que significa uma administração altamente centralizada como a nossa em relação às escolas preparatórias e secundárias? Muito simplesmente que nós temos que homogeneizar, que tornar as escolas o mais possíveis iguais uma às outras para centralmente se conseguir gerir este sistema de oitocentas e tal escolas. || Isto é exactamente o contrário àquilo que eu defendo e que a equipa governativa tem defendido e que é a necessidade de cada escola ter uma alma própria, de se poder dar maior autonomia e maior responsabilidade às escolas, com uma educação em que a criatividade e a educação não-formal assumam novos contornos e novas iniciativas. É que as escolas são quase sufocadas por circulares perfeitamente anódinas as quais chegam às escolas dizendo «faça-se assim, faça-se assado», independentemente do tipo de escola, se está numa zona rural ou numa zona urbana, se tem muitos ou poucos alunos, se tem muitos professores profissionalizados ou efectivos, se é uma escola com instalações recentes, se tem gimnodesportivo… Isto é um sistema que, enquanto for gerido a nível central, não vemos possibilidade de reformar. || Esta reestruturação do ME, com a consequente desmultiplicação da estrutura central e mais eficácia e mais competência e uma efectiva descentralização muito profunda, é, quanto a nós, uma condição «sine qua non» seja de que reforma for do sistema educativo” (O Jornal da Educação, Ano VII, N.º 86, Outubro de 1985, p. 10).
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