terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

A.R.T.E.S. - uma ecologia de formação de professores como modalidade de (re)existência




Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.
Eduardo Galeano
Se as coisas são inatingíveis... ora!
 Não é motivo para não querê-las...
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
Mário Quintana

Tendo em consideração os desafios que se colocam à formação de professores em artes[1], pode-se pensar na aprendizagem profissional, e nas diferentes particularidades de concetualização da educação em arte e da educação para a criatividade, como uma atividade que envolve uma rede alargada de papéis que são co-construídos e partilhados, questionados e reestruturados nas relações que se estabelecem com os outros colegas e com as diferentes comunidades artísticas e comunidades de aprendizagem (Wenger, 1998), sociais e culturais. E esta rede alargada requer um quadro referencial aberto para o que não se conhece, para o inesperado e para lidar com as complexidades e ambiguidades, estando atento a ideias e teorias, tendo capacidade para tomar decisões arriscadas, sendo capaz de se adaptar a diferentes contextos e geografias artísticas, educativas, culturais, sociais e organizacionais, alicerçados num suporte mútuo e na confiança inter-relacional (Esgaio, 2011). Quadro referencial que implica lidar com uma dupla contradição. Por um lado, uma “obediência rebelde” em relação aos pressupostos das políticas públicas locais, nacionais e transnacionais e por outro, estar preparado para prever o imprevisível.

Neste contexto, e tendo presente o que considero mais relevante acerca das artes nas sociedades contemporâneas como “território de resistência” a ecologia da formação de professores (inicial e continuada) como modo de (re)existência que proponho assenta um conjunto de conceitos em que procuro encontrar um outro modo de olhar para este tipo de formação.  Conceitos estes que acentuam as conexões entre as dimensões pessoais e profissionais na construção da identidade dos professores de artes colocando a tónica “na definição pública de uma posição com forte sentido cultural, numa profissionalidade docente que não pode deixar se se construir no interior de uma personalidade de professor” (Nóvoa, 2009:206). É uma proposta genérica e aberta que poderá contribuir para o debate acerca da formação de professores em artes e, por essa via, inspirar uma renovação dos programas e das práticas formativo-artísticas.

A – Ambivalência e Alteridade

Duas das principais características das Artes assentam, por um lado, na assunção de que as artes celebram múltiplas perspectivas e que existem muitas maneiras de ver e interpretar o mundo (Eisner, 2002) e, por outro, as artes oferecem possibilidade de leituras diferenciadas, polissémicas, ambivalentes sobre um mesmo objeto artístico. E se nas artes, tal como na educação, nem tudo pode ser previsto e onde a racionalidade é uma racionalidade limitada e contingente, esta perspetiva ambivalente apresenta-se como um elemento pertinente ao pensar a formação de professores.

Com efeito, o predomínio da razão, de um determinado tipo de racionalidade ocidental, significa procurar “eliminar a ambivalência, a possibilidade de dupla interpretação de um fato, de maneiras diferentes de se pensar e agir sobre o mundo”  e na procura de “eliminar o estranho, o anormal” numa “tentativa de uma tentativa de abafar, de revestir por meio de definições estáticas, conceituais, científicas a multiplicidade de forças nas quais se manifesta a diversidade da vida em sua perspectiva ambivalente” (Bazzanella, 2012:67).

Ora, a ambivalência é a “possibilidade de conferir a um objeto ou evento mais de uma categoria, é uma desordem específica da linguagem, uma falha da função nomeadora (segregadora) que a linguagem deve desempenhar. O principal sintoma da desordem é o agudo desconforto que sentimos quando somos incapazes de ler adequadamente a situação e optar entre ações alternativas” (Bauman, 1999: 9). Neste sentido, a ambivalência impulsiona o indivíduo “a superar atitudes passivas, de aceitação mecânica e binária (passivo e ativo, bem e mal, certo e errado) colocando-se no mundo através da constatação de que talvez seja inerente às características existenciais humanas, a contingência, a insegurança, a ambivalência e que existir é um exercício efêmero que exige o abandono cotidiano de convicções cristalizadas” (Bazzanella, 2012:75).

Neste “abandono cotidiano de convicções cristalizadas”, o potencial emancipatório da ambivalência inscreve-se também no “evitar a humilhação dos outros. É preciso também respeitá-los – e respeitá-los precisamente na sua alteridade, nas suas preferências, no seu direito de ter preferências. É preciso honrar a alteridade no outro, a estranheza no estranho, lembrando […] que “o único é universal”, que ser diferente é que nos faz semelhantes uns aos outros e que eu só posso respeitar a minha própria diferença respeitando a diferença do outro” (Bauman, 1999: 249).

Assim, uma formação professores pertinente inscreve-se na ambivalência, na preparação para a complexidade, para o imprevisível, para o que não se conhece possibilitando os instrumentos científicos, artísticos, políticos e pessoais que permitam trabalhar em contextos paradoxais, incertos e inseguros potenciando dúvidas e incertezas e valorizando as diferenças.

R – Rizoma e Reflexividade

Edgar Morin (2014) afirma que “os professores precisam sair de suas disciplinas para dialogar com outros campos de conhecimento” uma vez que “as disciplinas fechadas impedem a compreensão dos problemas do mundo”. A transdisciplinaridade, de acordo com este autor, “é o que possibilita, através das disciplinas, a transmissão de uma visão de mundo mais complexa” estabelecendo-se “um jogo dialético entre razão e emoção”.

Esta predominância do fechamento disciplinar, a par da hierarquização dos saberes, muitas vezes protagonizada não só pelas políticas públicas mas também por grupos de professores implica reolhar para a formação de professores que operacionalize outras modalidades de trabalho voltadas para o enfrentamento do modelo de educação disciplinar dominante. E neste contexto, o conceito de rizoma afigura-se interessante uma vez que não está ligado à hierarquia e “presume múltiplas possibilidades de interconexão, uma transversalidade que se opõe a verticalidade e a horizontalidade. […] Compreende como fundamental a descontinuidade, a ramificação e multiplicidade de ações denunciando o lugar do poder, da ordem, da organização binária do mundo social e seus dualismos” (Santos et al., 2011).

Assim, as aprendizagens rizomáticas “mais que conceito de grande intensidade para pensarmos outras paisagens educacionais, são fluxos auto-organizados, subjetivados nas potências dos sujeitos nômades e aprendentes virtualizando suas próprias fronteiras, sem a preocupação de religar os saberes e suas verdades normativas. Ao contrário, requer viver o rompimento com o Uno, com a unidade e o enclausuramento dos sujeitos em direção ao desviante, às polifonias de agenciamentos singulares, como espaço de intermédio da aprendizagem entre os sujeitos aprendentes, nativos de ecologias cognitivas [e emocionais] rizomórficas” (idem).

Com efeito, como referem Deleuze e Guattari (1995) “o rizoma prioriza a organização de uma educação menor [não essencialista], furos porosos de intensa relação entre sujeitos e subjetividades que reconhecendo multiplicidades conduz as relações de aprendizagem em meio aos movimentos de devires, longe das unidades previamente estabelecidas nas escolas, através dos currículos fechados e nas autoridades professorais, mas sim, nas ramificações possíveis no entorno da proliferação de pensamentos heterogêneos. Não se trata de trocar uma instituição escolar por outro tipo de organização, mais que isso, os sistemas rizomórficos permitem entender a dimensão social como sendo um todo constituído, multifacetado por tensões, linhas de fugas e agenciamentos” e “não se limita à falsa dualidade binária ou no obscurantismo moderno reformulado nas tendências pedagógicas de controle dos sujeitos-objetos e suas subjetividades” (p. 14).

E nestes sistemas rizomórficos e aprendizagens rizomáticas a reflexividade afigura-se como um elemento determinante na construção da profissionalidade e na ação educativo artística. A reflexão “é nosso instinto de sobrevivência diante dos colapsos que se avolumam. Nela reside a esperança diante dos impactos socioambientais, das crises político-econômicas que aparentam ser infindáveis e de toda e qualquer situação-limite que se experimenta. Porém, para refletir é necessário haver algum deslocamento de si. A percepção de outros sujeitos, outras realidades e contextos, demanda uma abertura que pode ser estimulada pelo processo educacional e que nos reabilita como sujeitos que constroem o presente e o futuro. A convivência com a diferença e as relações com o outro são os caminhos possíveis para nossa ressignificação.” (Neto, 2017)

E nesta ressignificação a resistência e afigura-se uma dimensão relevante dado que “a resistência não é apenas uma questão de negar um poder opressivo, mas também de criar formas de existir, que inclui formas de sentir, pensar e agir” e que “a afirmação da arte [e da formação de professores] como território de re-existência envolve necessariamente a descolonização da arte e a conexão com outras formas de descolonização” (Maldonado-Torres, 2017).  

Tudo isto tem consequências profundas no pensar e no operacionalizar modalidades de formação, ponto de vista político, científico e artístico em que urge passar de processos de trabalho predominantemente academizados, transmissivos e binários  para outros processos assentes em modalidades rizomáticas, o que implica uma maior horizontalidade da formação acentuando as múltiplas possibilidades de interconexão, em que constroem e se confrontam teorias, práticas e saberes na co-construção  poliédrica e crítica da profissionalidade docente potenciando a proliferação do pensamento heterogéneo e descolonizado.  

T – Tradução e Transitório

António Nóvoa (2009) afirma que “a procura de um conhecimento pertinente” não é “uma mera aplicação prática de uma teoria qualquer mas exige sempre um esforço de reelaboração” e que “esta é da essência do trabalho do professor” (p. 210). Também Morin (2014) salienta que “todo conhecimento é uma tradução, que é seguido de uma reconstrução, e ambos os processos oferecem o risco do erro.”

Ora, tradução “significa deslocar objetivos, interesses, dispositivos, seres humanos. Implica desvio de rota, invenção de um elo que antes não existia e que de alguma maneira modifica os elementos imbricados. As cadeias de tradução referem-se ao trabalho pelo qual os atores modificam, deslocam e transladam os seus vários e contraditórios interesses” (Freire, 2006: 51).  Se traduzir é “fazer conexão, é se ligar a” as conexões estabelecidas entre os atores de uma rede, as negociações que, dessa forma, têm lugar e a própria comunicação a tradução implica também a percepção, interpretação e apropriação e nessa dinâmica tanto está envolvida a “possibilidade de equivalência” quanto sua “transformação” (Latour, 1994, 2000).

Por sua vez Santos (2002) salienta que “a tradução é o procedimento que permite criar inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo, tanto as disponíveis como as possíveis” tratando-se de um “procedimento que não atribui a nenhum conjunto de experiências nem o estatuto de totalidade exclusiva nem o estatuto de parte homogénea. As experiências do mundo são vistas em momentos diferentes do trabalho de tradução como totalidades ou partes e como realidades que se não esgotam nessas totalidades ou partes” (p. 262).  A tradução é, simultaneamente, “um trabalho intelectual e um trabalho político. E é também um trabalho emocional porque pressupõe o inconformismo perante uma carência decorrente do carácter incompleto ou deficiente de um dado conhecimento ou de uma dada prática” (p. 267).

Ora, o criar “inteligibilidade recíproca entre as experiências do mundo” implica saber o que traduzir e isto, de acordo com o mesmo autor, realiza-se através do  conceito de “zona de contacto” (campos sociais onde diferentes mundos‑da‑vida normativos, práticas e conhecimentos se encontram, chocam e interagem). As zonas de contacto “são sempre selectivas, porque os saberes e as práticas excedem o que de uns e outras é posto em contacto” sendo que “o que é posto em contacto não é necessariamente o que é mais relevante ou central. Pelo contrário, as zonas de contacto são zonas de fronteira, terras‑de‑ninguém onde as periferias ou margens dos saberes e das práticas são, em geral, as primeiras a emergir. Só o aprofundamento do trabalho de tradução permite ir trazendo para a zona de contacto os aspectos que cada saber ou cada prática consideram mais centrais ou relevantes” (pp. 268-269).

Neste contexto, como o trabalho docente não se caracteriza pela mera transmissão e transposição de saberes específicos, mas sim por um trabalho de tradução, de transformação, de transitoriedade e adaptabilidade a diferentes contextos onde interage o que  implica que a formação de professores assente num trabalho político, intelectual e emocional que contribua para a inteligibilidade entre diferentes práticas e experiências dos mundos das artes e dos mundos da educação atendendo à incompletude que caracteriza os diferentes saberes em presença.

 E – Espanto e Encontro

“O que é o espanto que faz nascer o poema?” questiona Ferreira Gullar (2015. “É a súbita constatação de que o mundo não está explicado e, por isso, a cada momento, nos põe diante de seu invencível mistério” (p. 66). Também Mendonça (2016) – outro poeta, salienta que “uma das grandes virtudes que precisamos reencontrar é a arte do espanto, pois é verdadeiramente por aí que tudo começa. Espanto deriva do latino expaventare que descreve a forte impressão originada por uma coisa inesperada e repentina. Se procurarmos sinónimos, encontramos assombro, admiração, surpresa. É o contacto (consciente, fulgurante, desarmado, rendido) com a vida maior do que nós, a vida em aberto, não predeterminada. No espanto, a nova e surpreendente expressão da vida prende a nossa atenção à maneira de um relâmpago, de um rasgão imprevisível. Não a conseguimos encaixar no nosso quadro habitual, pois o seu carácter inédito torna inúteis todas as previsões, saberes, experiências, etiquetas, mapas, preparações. […]   O espanto obriga-nos a uma revisão do que sabemos de nós próprios e do mundo. Obriga-nos a recomeçar, como se fosse um nascer. Certamente que, no seu processo, o espanto desarruma e dói”.

Do ponto de vista educacional Eisner (2004) refere que “educadores atenciosos não estão simplesmente interessados em alcançar efeitos conhecidos; eles estão interessados tanto em surpresa, em descoberta, no lado imaginativo da vida e em seu desenvolvimento quanto em atingir metas pré-definidas alcançadas por meio de procedimentos de rotina”. Nesse sentido, um dos objetivos “deve ser converter a escola de uma instituição acadêmica em uma intelectual. Essa mudança na cultura da escolarização representaria uma mudança profunda na ênfase e na direção. Também Mia Couto (2011) salienta que “há um processo de aceitar e fazer crescer coisas que a Educação nos ensina, mas também ser capaz de sacudir aquilo que a Educação formata e que não nos ajuda a sermos felizes. […] O mais importante é saber fazer perguntas, manter um sentimento de inquietação e indisciplina por toda a vida”.

Por outro lado, se se pensar que uma das principais funções das práticas artísticas na educação é o de ativar os recursos do imaginário e, em particular, estimular modos de resistência em relação ao fechamento e à reprodução acrítica de modelos e de modos organizacionais e pedagógico-artísticos, isso implica desenvolver a apetência pelo desafio, pelo risco do desconhecido. Contudo, “quando falamos de imaginação estamos também no campo da contestação […] das fixações de um aqui e de um ali, de um interior e de um exterior” numa geometria plural e “espantosa (que espanta, que surpreende)” (Tavares,2013:32-33) aberta ao acaso e ao desconhecido através de “racionalidade distendida” (Jiménez,2005:162) assente em múltiplas opções.

Esta valorização do que não se conhece desenrola-se num quadro complexo que passa por um conjunto alargado e interdependente de situações e que apresenta dois tipos de implicações. A primeira pressupõe pensar o docente, e o futuro docente, como um sujeito que constrói o seu próprio discurso e a sua condição autoral enfrentando diferentes tipos de conflitualidades que possibilitem o desenvolvimento do pensamento pessoal e artístico em convergência e/ou em divergência como modelos estéticos e técnicos existentes. A segunda implicação, relaciona-se com o facto de que as comunidades de aprendizagens, as comunidades de práticas artísticas se apresentam plurais e diversificadas, campos abertos de possibilidades na criação de pontes entre diferentes mundos, encorajando-se a “experimentação das ideias através da improvisação, da trabalho colaborativo e da discussão” abrindo-se a territórios de “abordagens colaborativas que conectam pessoas, disciplinas e géneros” projetando-se caminhos que possibilitem “novos pontos de comparação e de partida” em ambientes de aprendizagem que criem “zonas de contacto” entre a tradição e a inovação (Gregory,2005:20-21).

Assim, uma formação de professores pertinente assenta na facilitação e na criação de espantos e encontros que permitam estabelecer pontes entre o conhecido e o desconhecido numa geometria variável e colaborativa de encantamentos diferenciado potenciadores de questionamentos e de inquietações em relação aos saberes e ao viver e trabalhar em conjunto.

S – Subjetividade e Sociedade

Vários autores (Nóvoa e etc) têm-se referido que o professor é a pessoa e que a pessoa é o professor sendo impossível separar as dimensões pessoais e subjetivas das dimensões profissionais dado que “que ensinamos aquilo que somos e que, naquilo que somos, se encontra muito daquilo que ensinamos” e, neste sentido, importa “que os professores se preparem para um trabalho sobre si mesmos, para um trabalho de auto-reflexão e de auto-análise. […] Não se trata de regressar a uma visão romântica do professorado (a conceitos vocacionais ou missionários)” mas antes “reconhecer que as componentes técnicas, científicas [e artísticas], embora necessárias, não são todo o ser do professor” (Nóvoa, 2009: 212).

Ora, o que defendo é que a “construção da pessoa do professor” se alicerçe na “produção de uma subjectividade que enriqueça de modo contínuo a sua relação com o mundo” (Guattari (1992: 33). Subjetividade entendida, por um lado, como "o conjunto de condições pelas quais instâncias individuais ou coletivas são capazes de emergir como um território existencial, na adjacência ou em relação a uma alteridade, ao mesmo tempo subjetiva" (Idem: 19) e, por outro, como “espaço de diferenças individuais, de autonomia e liberdade que se erguem contra formas opressivas que vão além da produção e tocam o pessoal, o social e o cultural" (Santos, 1994: 123)

Assim a produção da subjetividade “combina as dimensões micro e macrossocial, significa ter que reconhecer a dialética que, sendo capaz de ocorrer em um plano de realidade, é um produtor de realidades inclusivas” (Merino) […]  reúne imaginários coletivos, representações sociais, memórias, crenças, ideologias, conhecimentos, sentimentos, vontades e visões do futuro […] fonte de significado e mediação simbólica, precede e transcende os indivíduos; constitui o nosso eu mais singular, o sentimento de pertencer a um nós e ao todo social. A natureza simbólica da subjetividade implica que só se pode acessar a sua compreensão através de múltiplas linguagens humanas. […] A racionalidade da ciência, com sua linguagem analítica e abstrata, é insuficiente para captar a riqueza das diferentes lógicas que constituem a subjetividade, e tem mais potencial para isso, poesia, literatura, cinema, artes visuais. e sabedoria popular e tradicional.” (Alfonso 2006)

Por outro lado, acresce que “a emergência da singularidade – individual e de grupo – como modo de afirmação social e factor multiplicador das diferenças requer uma nova conceptualização que assenta em identidades flexíveis, negociáveis e alternantes” (Melo, 2002: 61), o que significa, de acordo com o mesmo autor, abandonar a noção de identidade “entendida como património, essência ou raiz, em favor de uma experiência da identidade entendida como prática, processo, tradução, negociação” (p. 52).

Ora nesta construção da subjetividade o espanto, referido anteriormente, é uma dimensão relevante uma vez que “o espanto é poder abrir os olhos, poder dar-se conta do que somos, do que está perto de nós, do que está longe. É ganhar um olhar crítico sobre a nossa própria realidade, perceber que muitos dos gestos, à custa de o repetirmos, se tornam tiques e manias, e se esvaziam da autenticidade fundamental” (Mendonça, 2018. P. 6)

Neste contexto, uma formação pertinente assenta na construção da subjetividade em que a experiência individualizada como estratégia de formação se torna fundamental entendendo que cada individuo em formação tem um percurso próprio de aprendizagem a ser percorrido, numa rede diferenciada de interações intersubjetivas possibilitadoras da assunção de identidades flexíveis de modo a resistir aos dispositivos que contribuem para subjectividades industrializadas, massificadas, acomodadas.









[1] Excerto de uma conferência intitulada “Formação de professores em Artes: espanto, sonhos e identidades na co-construção da profissionalidade docente” apresentada no congresso internacional realizado no Recife em Julho 2018

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