A aprendizagem ao
longo da vida, pelo menos no quadro europeu, resulta da confluência de dois
factores principais. Por um lado do incremento da esperança média de vida e no
crescimento da vontade pessoal de melhorar e desenvolver determinado tipo de
aprendizagens e, por outro, na reconfiguração do trabalho e das suas
exigências, qualquer que seja o campo de atuação, o que implica ou uma
actualização ou uma mudança de trajetória profissional. É nesta confluência
que, num texto de 2003, a Comissão Europeia define a
aprendizagem ao longo da vida como toda a actividade de
aprendizagem que se realiza num percurso individual com
o objectivo de melhorar os conhecimentos, habilidades e competências
numa perspectiva pessoal, cívica e/ou
numa perspectiva relacionada com
o emprego.
No âmbito das artes,
e em particular no que se refere à música, apesar de toda a investigação e
reflexão que se tem produzido em termos internacionais, ver por exemplo, e só
para citar alguns, o International
Journal of Music Education, o International
Journal of Community Music ou o British
Journal of Music Education, em Portugal a investigação e a produção do
conhecimento sobre esta temática é ainda muito embrionária.
Contudo, a
aprendizagem da música ao longo da vida afigura-se relevante tendo em conta a
intersecção e a confluência de três grandes dimensões: a dimensão pessoal, a
dimensão institucional e formativa e a dimensão política.
No primeiro caso, e
apesar de todas as crises, assiste-se a uma procura cada vez mais crescente de
actividades de formação que não as situadas num contexto formalizado e de
escolaridade obrigatória, de que as designadas universidades seniores são
exemplo. Por outro lado, esta aprendizagem não se situa apenas no quadro da
formação de adultos mas também de crianças, jovens e profissionais que, por
motivos vários, procuram desenvolver os seus conhecimentos e as suas
competências artístico-musicais.
No segundo, e de um
modo geral, as instituições de formação artísticas, atendendo a diferentes
tipos de problemáticas existentes, tem dado pouca atenção a esta temática e
mesmo quando a inscreve no seu trabalho formativo-artístico, os modelos
existentes dificilmente são compatíveis com públicos jovens e/ou adultos que
procuram outro tipo de formações e de metodologias.
Por último, a
dimensão política, remete para a necessidade de reconfiguração das políticas
públicas e das políticas institucionais, quer no âmbito do ensino superior e
não superior, que favoreçam e potenciem aprendizagens menos escolarizadas. No
primeiro caso, a construção de políticas para este sector tem sido ou
inexistentes ou um completo desastre. No segundo, apesar das várias
possibilidades existentes no quadro de algumas instituições artísticas, por
exemplo os coros e/ou as bandas filarmónicas, a sua inscrição nas políticas das
escolas ainda é muito marginal e, ao existir, enquadra-se num tipo de matriz
curricular existentes e, por esta via desadequada a outros públicos com outro
tipo de interesses.
Com efeito, a Escola
e o saber escolar adquiriram nas sociedades contemporâneas uma grande hegemonia
em relação a outras modalidades educativas e modos de aprendizagem
artístico-musicais. No entanto, os processos não formais e informais, na escola
e em particular fora dela, constituem-se, como aspetos fundamentais não só no
que se refere à iniciação artística e ao desenvolvimento das carreiras
musicais, como, em particular, às vivências e às procuras de formação por parte
de públicos adultos.
Neste sentido, e
contra o desperdício dos saberes e das experiências, a aprendizagem da música
ao longo da vida engloba um conjunto diversificado de práticas numa rede
diferenciada de contextos e de procedimentos, numa combinação multifacetada de
processos que advêm da experiência de vida e que envolvem o indivíduo como um
todo, integrando-se na sua biografia em concreto, num conjunto alargado de
comunidades de práticas, de que fala Etienne Wenger.
Wenger, no quadro da
aprendizagem como participação social em que os participantes constroem a sua
identidade na relação que estabelecem com as comunidades de prática, distingue quatro componentes fundamentais que
se interligam: “sentidos”
(aprendizagem como experiência), "prática" (aprender fazendo), "comunidade"
(aprender como pertencendo) e "identidade" (aprender como tornar-se). Wenger
assinala que a aprendizagem transforma quem somos e o que fazemos e
fala, neste contexto, sobre a 'prática transformadora de uma comunidade de aprendizagem” como aquela que oferece um contexto ideal para o desenvolvimento de novos entendimentos sobre nós, o mundo e os saberes.
(aprendizagem como experiência), "prática" (aprender fazendo), "comunidade"
(aprender como pertencendo) e "identidade" (aprender como tornar-se). Wenger
assinala que a aprendizagem transforma quem somos e o que fazemos e
fala, neste contexto, sobre a 'prática transformadora de uma comunidade de aprendizagem” como aquela que oferece um contexto ideal para o desenvolvimento de novos entendimentos sobre nós, o mundo e os saberes.
Assim, e contra o
desperdício da experiência, para utilizar o título de um trabalho de Boaventura
Sousa Santos, adequabilidade e criatividade são dois dos conceitos que emergem
ao pensar-se a aprendizagem da música ao longo da vida, atendendo a que estamos
em presença de motivações e interesses heterogéneos. Adequabilidade de modo a
apreender a diversidade de experiências de aprendizagens em vez de se focalizar
nos saberes que são reconhecidos e valorizados pelo “saber escolar”, num
contexto em que as aprendizagens são co-construídas e centradas na articulação
entre as pessoas em concreto e os saberes em presença e a desenvolver,
interligando o conhecimento inter-pares, o formal, o informal e o não formal.
Criatividade, melhor criatividades – de que fala por exemplo Pamela Burnard, em
que o envolvimento e a participação nas atividades musicais criativas, desde a
iniciação até níveis mais avançados da aprendizagem, podem ser um contributo
importante na construção dos sentidos e no desenvolvimento de competências e
saberes técnicos e artísticos
Por último,
pensar-se a aprendizagem da música ao longo da vida, pode ser um instrumento
político e artístico relevante não só na reconfiguração das práticas formativas
hegemónicas, obrigando a questionar e a repensar o saber escolar e os modos de
fazer artístico escolarizado, como também contribuir para o desenvolvimento
individual e colectivo em que a partilha de experiências, de saberes e de
conhecimentos andam a par com as inquietações e as ignorâncias.
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